ASSINE
search button

Reorganização das esquerdas no Brasil

Compartilhar

É boa conduta não subestimar adversários. No geral é prudente tentar praticar dedicada reflexão buscando entender de forma realista as motivações e justificações que dão legitimidade ao opositor e até realizar o difícil exercício de encontrar no outro aspectos admiráveis e pontos fortes. O sentido maior é o ganho de compreensão sobre o padrão das forças contra as quais resistiremos.

É evidente que a derrota eleitoral de Haddad para Bolsonaro tem dimensões estratégica e cultural para todas as esquerdas. Isto pode ser demonstrado pelos jargões que representaram as posições nas fases das esquerdas ao longo de todo o trecho: “Não vai ter golpe” - e teve. “Fora Temer” – e ficou lá. “Lula Livre” – e segue preso. “Ele não” – e ele venceu.

São todas objetivas derrotas das hashtags que representaram as resistências políticas e culturais das esquerdas e têm em comum fazerem parte encadeada de um mesmo processo de progressivo esvaziamento na luta institucional e de ideias. Com isto não se diz que essas resistências não tenham sido importantes para a consolidação de um bloco aglutinado capaz de oferecer contranarrativa, é evidente que sim. Dadas as circunstâncias, essas resistências tiveram resultado surpreendente e persistem como contraponto teimoso e necessário a uma nova ordem que se anuncia.

Ainda assim, as esquerdas imaginaram-se tendo uma força cultural acima da realidade, em cada um destes momentos. Sem recorrer a quaisquer mediações de discurso, articulou-se pouco e – principalmente – tratou como tema secundário o problema principal: o antártico isolamento político a que foi submetida no jogo de forças político-culturais.

No caso da ascensão da extrema-direita brasileira, levará ainda tempo para que todas as dimensões do fenômeno estejam realmente claras. Será a soma das inteligências e experiências coletivas dos partidos, movimentos populares e quadros da esquerda que conseguirá, de forma dedicada, montar o difuso quebra-cabeças.

É nota obrigatória reconhecer o acerto do diagnóstico feito pelo PCdoB, quando muito antes das eleições priorizava a necessidade da construção de uma frente ampla para resistir às tempestades vindouras. Embora todas as demais forças populares reconhecessem em seus discursos a mesma necessidade, esta foi, lamentavelmente, a única organização consequente a traduzir o discurso em prática ao recuar com sua (ótima) candidata, Manuela D´Ávila. Ainda assim a chapa Haddad-Manuela sequer significava uma unidade das forças populares, que dirá uma ampla frente nacional para além das esquerdas.

Nem os partidos e líderes de esquerda parecem compreender a grave necessidade de uma frente ampliada – e sequer estão a praticá-la atualmente. Pelo contrário: tão logo acabadas as eleições, o debate infantil predominante tornou-se “quem teria o protagonismo de tal frente”. As tensões entre PDT e PT, por exemplo, escalonaram ainda mais após a eleição, e a distância relativa entre os dois partidos é maior agora do que era durante o pleito, ao arrepio da necessidade histórica por coesão.

O melhor laboratório de luta conjunta intraesquerdas até aqui tem sido as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Embora destacadas e valorosas, suas limitações são bastante conhecidas e não influenciam de maneira decisiva o comportamento institucional dos partidos envolvidos. São importantes experiências, mas insuficientes. Até aqui, a realidade apresenta o dado de que esquerda não parece ter aprendido a lição de que tem que se unir. E sem sequer unidade das esquerdas, é bastante difícil imaginar uma frente ampla para além delas.

Leonardo Giordano*

* Vereador (PCdoB - Niterói)

Tags:

brasil | esquerda | Temer