ASSINE
search button

Coluna da segunda: Ignorância ou provocação?

Compartilhar

Algumas declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro são tão toscas e primárias que me geram a seguinte dúvida. O capitão reformado está falando sério ou quer provocar os brasileiros e brasileiras que não votaram nele e que, desde já, consideram seu futuro governo um retrocesso amazônico? Suas frases refletem uma profunda ignorância a respeito de nosso país e de nossa gente ou se trata de pura provocação? Vejamos, por exemplo, o comentário que ele fez sobre a demarcação de terras indígenas. “Sempre notei uma pressão externa no tocante, por exemplo, a cada vez mais demarcar terras para índio, demarcar terra para reservas ambientais. Na Bolívia, tem um índio que é presidente. Por que no Brasil devemos mantê-los reclusos em reservas como se fossem animais em zoológicos? O índio é um ser humano igual a nós”.

Alguém deveria apresentar a Constituição brasileira a Bolsonaro. Mais precisamente o Capítulo VIII, do Título VIII, que trata da Ordem Social. Eis o que o diz o Artigo 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Para informação do futuro presidente, vale também transcrever o 1º Parágrafo: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias para a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Diante das ameaças às reservas indígenas, cuidou-se de deixar bem claro no 4 Parágrafo que “as terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”.

Portanto, senhor Bolsonaro, as reservas não são zoológicos e os índios não são bichos. São, sim, uma minoria, que, sem a proteção constitucional, caminharia para a extinção. Quando Cabral aqui chegou, as populações indígenas somavam mais de 5 milhões de pessoas. Hoje não passam de 900 mil, segundo os últimos censos. Por isso, os autores da Constituição de 1988 tiveram o cuidado de reconhecer e garantir os plenos direitos dos índios. Não era e continua não sendo novidade para ninguém a pressão de ruralistas para que se altere a política de demarcação de terras inscrita em nossa Carta Magna. Falar em pressão externa pela demarcação é ridículo. Os índios têm direito a suas terras por força da Constituição. Eles dependem do Estado e da Lei para garantir sua sobrevivência.

“Vamos proporcionar meios para que o índio seja igual a nós”, diz o eleito. Quem disse que eles querem ser iguais a nós? A Constituição fala, expressamente, em preservar os costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas. Como se vê, Bolsonaro não entende nada do assunto. É profundamente ignorante sobre as causas e lutas dos índios brasileiros. E também desconhece a realidade dos outros países. Tanto assim que fez uma comparação completamente descabida com a Bolívia. Vale repetir sua frase: “Na Bolívia, tem um índio que é presidente”. Ora, ora, capitão! Ainda está em tempo de o senhor se informar melhor sobre os países vizinhos. Índio na Bolívia não é exceção. Lá, a população ameríndia é amplamente majoritária. Os quichuas, aimarás, chiquitanos e guaranis representam quase 60% dos 11 milhões de bolivianos. Os brancos não passam de 15%. Logo, o presidente Evo Morales não pertence a um grupo minoritário ameaçado de extinção. Não há comparação possível entre a Bolívia e o Brasil.

Mas Jair Bolsonaro é assim mesmo. Fala sobre qualquer assunto, sem medir as consequências. Às vezes, pede desculpas. Seus filhos não ficam atrás. Em entrevista para a Fox News, nos Estados Unidos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, ao jogar confetes para Trump, afirmou que o Brasil está mudando de uma gestão extremamente socialista para uma economia muito mais liberal. E deixou escapar essa pérola do pensamento bolsonariano: “Nunca mais seremos um país socialista”. Vai ver que Eduardo estava de fuso trocado. Brasil, um país socialista? Só se foi sonho ou pesadelo do filho do presidente eleito. Que bobagem, deputado!