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A evolução do financiamento à atividade científica

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Nas últimas semanas, a comunidade acadêmica brasileira pleiteou junto ao Congresso aumento no orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A ideia é acabar com a reserva de contingência do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal braço financeiro da Finep, e ampliar em R$ 300 milhões o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ambos visam, pelo menos, retornar ao que já tínhamos em 2013-2014.

Analisemos a evolução do FNDCT: ele foi criado em 1969 (decreto-lei nº 719, de 31/07/1969) e, desde 1971 (decreto 61056), cabe à Finep atuar como sua secretaria-executiva. Em 1970, o dispêndio do FNDCT foi, a valores correntes, de R$ 250 milhões, até atingir R$ 2 bilhões, em 1978. Nesse período, todo o orçamento do fundo vinha diretamente do Tesouro Nacional (tanto via arrecadação de impostos, como empréstimos internacionais), o que significa que o governo efetivamente priorizava a área.

Depois, o apoio foi reduzido (parte em função da crise econômica), atingindo R$ 250 milhões, em 1998. Surgiram, então, os fundos setoriais – inicialmente, para a área do petróleo. Logo vieram novos fundos com capital oriundo de vários setores econômicos, que foram canalizados para o FNDCT, cujo orçamento executado, em 2002, foi de R$ 1,2 bilhão. À medida que a arrecadação aumentava, o governo federal reduzia sua participação direta no FNDCT. Foi o primeiro grave erro do sistema. Os fundos setoriais, que deveriam constituir novo dinheiro para mais atividades, viraram fonte quase exclusiva de financiamento. O setor privado, que aporta os recursos do FNDCT, apoiou a iniciativa de criação dos fundos, esperando o turbinar de investimentos, algo até ocorrido no início. Nos anos 2002-2012 havia comitês gestores para cada fundo, que definiam as prioridades setoriais – as ações verticais do FNDCT. Porém, com o crescimento do arrecadado pelos fundos, a área econômica reduziu sua disponibilização (contingenciamento). Em seguida, criou-se a “reserva de contingência”. Essa é causa-chave da crise da ciência brasileira hoje.

Houve liberações crescentes do FNDCT (ápice em 2013 e 2014, com a execução de R$ 3,9 e R$ 3,4 bilhões, respectivamente). No entanto, nesses anos, os recursos também fluíram para atividades não previstas na legislação do fundo, como apoio às organizações sociais do MCTIC e parte das bolsas do “Ciência Sem Fronteiras”. Nessa fase “pródiga” do FNDCT, foram criadas as chamadas “ações transversais” – inicialmente, com objetivo nobre, mas, depois, deturpadas: tornaram-se conjunto descoordenado, que deveria ser apoiado por outras fontes. Tivemos, assim, o segundo equívoco no uso do FNDCT.

E como anda a arrecadação dos fundos setoriais? Os dados de 2018 apontam R$ 4,8 bilhões – que deveriam ser totalmente disponibilizados para CT&I. A legislação prevê (o que vem sendo cumprido) que 25% desse montante sejam transferidos como empréstimo à Finep – para operações de crédito a empresas de base tecnológica. E os demais 75% para apoio não reembolsável às instituições científicas, associação entre ICTs e empresas, a parques tecnológicos e subvenção econômica para empresas desenvolverem inovação, bem como equalização de taxas de juros. No entanto, a disponibilização foi de apenas R$ 1,1 bilhão, com uma reserva de contingência de R$ 2,3 bilhões (valor que será ampliado, caso a proposta encaminhada para 2019 ao Congresso seja aprovada).

Fonte de recursos de programas de Finep e CNPq, o FNDCT contingenciado minimiza os orçamentos de ambos. O edital Universal, que apoia projetos em todo o país, subsiste pelo fato de o fundo sustentá-lo. É fundamental, pois, que a arrecadação total dos fundos setoriais seja disponibilizada, com a recomposição a valores de 2013, para início de conversa. Só assim o Brasil sentirá o crescimento científico-tecnológico que nutre os processos de inovação – base do desenvolvimento econômico-social de países centrais.

* Diretor da Finep e professor titular da UFRJ; membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina

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