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Bolsonaro deve largar o deboche

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Jair Bolsonaro publicou em uma rede social, no início deste mês, uma imagem com cinco homens armados de fuzil e a legenda de mau gosto: “Acho que vai cair uma tempestade, olha quanto guarda-chuva”. A publicação trouxe a morte de Rodrigo Alexandre da Silva à memória de muitos dos 2,4 milhões de seguidores de Bolsonaro. Rodrigo foi assassinado com três tiros pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, no Morro Chapéu Mangueira, em setembro. Antes de morrer foi levado ao Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea, e seu guarda-chuva ficou para trás, no chão da favela, encharcado de sangue.

Rodrigo tinha 26 anos, trabalhava como vigia de um bar no Leme, era casado e tinha dois filhos. Segundo testemunhas, a polícia atirou depois de confundir com um fuzil o guarda-chuva que o rapaz segurava. Era noite, o guarda-chuva era preto e comprido e Rodrigo era negro, como 71% das vítimas de homicídios no Brasil. De acordo com a nota oficial da Polícia Militar, ela não teve culpa (nunca tem). Dizia que houve um breve confronto entre bandidos e policiais da Unidade de Polícia Pacificadora Babilônia/Chapéu Mangueira e a morte de Rodrigo é consequência do confronto. Nenhuma arma foi encontrada com a vítima.

A publicação de Bolsonaro teve significados diversos. Ela limita a Segurança Pública ao combate entre bandidos armados e forças de segurança. Estimula o homicídio ilegal de pessoas portando armas e ignora o papel do desenvolvimento social na construção de uma sociedade segura, aspecto reconhecido por especialistas e até por autoridades militares mais inteligentes que de costume. Finalmente, o presidente eleito quis atingir o posicionamento crítico da imprensa diante dos frequentes erros cometidos pela polícia contra a população das periferias.

Bolsonaro defende um governo diferente dos anteriores, livre do radicalismo ideológico da esquerda, mas suas declarações rasas e carregadas de preconceito diante de questões sensíveis para o país, como a Segurança Pública e a Saúde, indicam que o futuro presidente sofre de um mal semelhante, o radicalismo à direita.

Durante um evento em agosto deste ano, em Presidente Prudente (SP), Bolsonaro disse que iria “expulsar” os médicos cubanos do país através da revalidação dos seus diplomas. E conseguiu o que queria. Cuba decidiu sair do programa Mais Médicos após as condições de permanência anunciadas pelo novo governo. Notícia triste para milhões de moradores das regiões brasileiras mais vulneráveis atendidos pelos cubanos.

Antes de assumir a Presidência da República, Jair Bolsonaro tem o dever de alimentar seu lado humano, hoje atrofiado. Pode ser um trabalho estranho para quem guarda como livro de cabeceira a obra de um torturador da ditadura. Mas como presidente precisará se esforçar, abandonar o deboche medíocre e buscar aproximação com os brasileiros que veem fuzis e assassinatos todos os dias, na porta de casa, e jamais fariam piada com a violência. Eles estão bem longe da Barra da Tijuca e do Palácio do Planalto e são os mais ansiosos por crescimento econômico e dignidade.

Mário Lima Jr.*

* Escritor gonçalense