ASSINE
search button

Uma oposição responsável

Compartilhar

Os movimentos de esquerda no Brasil, a partir das últimas eleições, necessitam de uma profunda discussão coletiva, visando unificar suas diversas correntes e partidos em torno de um programa político mínimo comum, de modo a enfrentar os anos duros que virão. Uma oposição baseada na concepção do “quanto pior, melhor”, só fará por isolá-la no jogo político parlamentar e, mais ainda, junto à opinião pública.

É sempre bom lembrar que o grupo que assumirá o poder em janeiro não se compõe de neófitos na política e, com a caneta na mão, por certo tentará neutralizar a oposição mais radical e ressentida. Os passos iniciais na montagem do governo, com a indicação dos superministros Guedes, para a Economia, e Moro, para Justiça e Segurança, demonstram claramente o objetivo de consolidar junto aos setores produtivos e à sociedade em geral a confiança dos votos recebidos no último 28 de outubro.

O PT, maior partido da oposição, a partir dessa eleição confirmou não ser mais o partido outrora hegemônico das áreas urbanas do Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Hoje, sua força eleitoral se concentra essencialmente na Região Nordeste e principalmente em suas populações mais vulneráveis. O anúncio, por Bolsonaro, já na fase da campanha do 2º turno, do 13º salário para o Bolsa Família, combinado com alguma melhoria no valor e ampliação dos beneficiários do programa, poderá significar um golpe nas futuras pretensões eleitorais do PT. As próximas eleições municipais serão um marco indicador de para onde a oposição deverá caminhar.

Entretanto, desde já é possível agrupar todas as forças e pessoas individualmente comprometidas com a vigilância da integridade do Estado Democrático de Direito, com o objetivo de inibir e denunciar qualquer tipo de autoritarismo que coloque em risco o atual estágio de evolução da sociedade brasileira. Este foi, na verdade, o sentimento que amalgamou a consciência de 47 milhões de eleitores que não deram seus votos aos que venceram as eleições. Não foram majoritariamente votos partidários, mas de pessoas das mais variadas formações políticas e intelectuais, de diversos segmentos sociais, que não se identificam necessariamente com o PT, PSOL, PDT, nem tampouco com os partidos de extrema-esquerda, mas que acreditam ser possível construir um país mais justo e humano em que as desigualdades, os preconceitos de todo tipo, a exclusão social e a exploração do trabalho do outro sejam abolidos ou pelo menos reduzidos e controlados pela sociedade.

Mais, ainda, são pessoas que esperam que o Estado seja eficiente em suas políticas e que não concordam com a falta de lisura com a coisa pública, qualquer que seja o partido no poder. Enfim, são pessoas que querem viver numa democracia moderna, estável, solidária, sem radicalismos tanto à esquerda, quanto à direita.

É daí que se deve partir. Oferecer a essas pessoas que não têm partido um discurso responsável, propositivo, sem histerismo ou revanchismo, exatamente como o PT denunciava em relação aos derrotados de 2014. Que se ofereça, então, à nação, um programa político coerente com os anseios genuínos do nosso povo – trabalho, saúde, educação, segurança, liberdade e justiça social.

É possível ousar afirmar que um programa com esse conteúdo, bem comunicado à população, decerto também atingirá a alma de uma expressiva parcela dos eleitores que depositaram na urna seus votos aos vencedores do pleito. A oposição que precisamos edificar deve ser séria e equilibrada, que fale para todos e que seja compreendida por grandes parcelas do povo brasileiro.

É hora, portanto, de juntar todos num só projeto, não excluir ninguém, nenhum partido ou corrente política, ao mesmo tempo não aceitar de pronto a hegemonia de qualquer grupo ou partido e, principalmente, acreditar que o processo político, desde que democrático, se encarregará de isolar o sectarismo, o mandonismo, o autoritarismo que também existe entre nós e, finalmente, acreditar sinceramente que através da discussão e da luta política será possível desenhar a várias mãos o projeto consensual do país que queremos.

ADIR BEN KAUSS*

* Arquiteto e urbanista