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Uma questão de bom senso

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A renda média dos trabalhadores no Brasil anda um pouco acima de dois salários mínimos, algo em torno de R$ 2.200,00 mensais, sendo mais alta no Sudeste e mais baixa no Norte/Nordeste. Para quem está na média ou abaixo dela, o modelo de repartição do Regime Geral de Previdência Social (INSS) é perfeito, desde que o trabalhador se aposente por tempo de contribuição – ou seja, tenha contribuído por 35 anos, para os homens, e 30 anos, para as mulheres – e só requeira o benefício a partir de 62 anos.

O modelo de repartição está na própria origem da previdência social. No governo do chanceler Otto von Bismarck, quando os reinos alemães se unificaram, no século XIX, a previdência surgiu para amparar aqueles que perdiam a capacidade de trabalhar, com a idade. O trabalho era fundamentalmente braçal e os rendimentos estavam quase sempre ligados à produção. As pessoas iam perdendo rendimentos à medida que o tempo passava e a velhice chegava. A maioria não tinha condições de poupar, mesmo na juventude (até porque nessa fase da vida a gente tende a não acreditar que será velho, um dia).

No modelo de repartição, aqueles que trabalham se solidarizam com os que perdem essa capacidade, seja por idade ou por motivo de saúde. O modelo é perfeito quando se considera que há muitos mais jovens trabalhando do que o número de idosos aposentados ou de pensionistas. Mas, quando o número de contribuintes começa a diminuir, e o de aposentados a crescer, o modelo de repartição precisa ser ajustado.

No Brasil, a população jovem já começou a diminuir. O maior número de jovens entre 20 e 30 anos no país foi em 2010. Desde então diminui a cada ano. Devagarzinho, mas diminui. Na outra ponta, como os seres humanos resolveram viver mais, cresce o número daqueles que passam de 65 anos. A cada dia, aumenta o número daqueles que conseguem passar dos 100 anos – pelo censo do IBGE é a faixa etária que proporcionalmente mais cresce no Brasil!

A conta da previdência então não fecha a não ser que se compense isso aumentando as alíquotas de contribuição (hoje de 8% a 12% para os trabalhadores, e de 12% para os empregadores) ou o tempo pelo qual se contribui. A partir dos 60 anos (ou 55 anos para as mulheres), os brasileiros são tratados como velhos pela legislação. Isso não corresponde mais à realidade. A não ser que a pessoa tenha algum problema de saúde, ninguém aos 60 anos hoje é velho.

Dessa forma, as regras vigentes do INSS permitem o que se chama de aposentadoria precoce. Se a previdência fosse financeiramente autossuficiente, ninguém tinha nada a ver com isso. Mas não é. O Tesouro injeta anualmente bilhões e bilhões de reais no sistema para pagar a conta. O rombo é dividido por todos que pagam impostos. Ou deixam de receber serviços básicos sob responsabilidade estatal.

Mas dramático ainda é o caso do regime próprio dos servidores públicos. Funcionários podem se aposentar com 80% do último vencimento. Pela filosofia original da previdência isso não é justo. Funcionários graduados tiveram (e têm) condições de poupar para si mesmo ao longo da vida. Não precisam ser amparados por todos na velhice. É um privilégio que não cabe mais nas contas do setor público. A União está quebrada, os estados estão quebrados, os municípios estão quebrados. A folha de pagamentos. as aposentadorias e pensões são a principal causa dessa quebradeira. Mesmo que o ministro Moro consiga vencer a roubalheira, o setor público continuará quebrado sem uma reforma da previdência.

Ah, mas as mudanças poderão ser contestadas na justiça em função dos direitos adquiridos. Nesse caso, só será possível uma solução salomônica. O bom senso terá de prevalecer para que o país não fique inviabilizado economicamente. Enquanto o setor público for deficitário, absorverá poupanças privadas que poderiam estar muito bem financiando investimentos que gerem riquezas. E quanto mais o tempo passa, mais cresce o ônus do ajuste.

* O jornalista fez o que todo mundo faz e aposentou-se pelo INSS logo que teve condições, mas continuou contribuindo. Outros comentários sobre o tema estão disponíveis no Canal George Vidor no YouTube