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Coluna da Segunda: Pedagogia boboca

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É espantoso, para não dizer constrangedor, o nível rasteiro com que o presidente eleito Jair Bolsonaro se refere a um tema importantíssimo: a Educação. Ele se mostra totalmente despreparado, mas, ao mesmo tempo, dá uma prioridade quase absoluta ao futuro enfrentamento de seu governo com a Universidade e o meio acadêmico. Bolsonaro trata os educadores como inimigos preferenciais a serem dominados. E tem planos funestos para o setor. Comenta-se, por exemplo, que ele não pretende respeitar a tradicional lista tríplice na escolha de reitores. Fará indicações a esmo, de sua própria cabeça. Diz-se também que vai alterar currículos e forçar a aposentadoria de professores que têm visão de mundo diferente da dele. O eleito tratou de antecipar que fará questão de examinar o conteúdo da prova do Enem durante sua gestão. Ficou furioso com uma pergunta sobre dialeto de comunidade LGBT e abolirá do exame temas atuais ou de Sociologia e Filosofia. Essencial é Geografia e História, como ele aprendeu nos bancos escolares há mais de 50 anos. Enfim, às favas com perguntas sobre o livro ‘1984’, de George Orwell, e todos os encômios a quem souber a capital do Azerbaijão e onde fica a ilha Reunião. Nota dez para quem citar os anos da Guerra do Peloponeso, informação de extrema utilidade.

A visão de Bolsonaro, como se vê, é anacrônica. Enquanto a Escócia acaba de adotar as questões de gênero no ensino básico, o presidente eleito fica apoplético diante desse assunto. Diz que os professores querem impor a ideologia de gênero às crianças, querem incentivá-las a se tornarem gays e lésbicas, como se isso fosse possível. “Sigam suas orientações, mas deixem as crianças em paz”, repete Bolsonaro. E conclui lá do alto de sua sexagenária vivência: “Não fiquem obrigando a criançada a estudar besteira que não vai levar a lugar nenhum. Quem ensina sexo é papai e mamãe, pronto e acabou”. Ou seja, Bolsonaro é do tempo em que pais zelosos levam os filhos a bordéis para perder a virgindade com prostitutas. E ficavam felizes com a educação sexual dos filhotes. Nos dias do cadete das Agulhas Negras, não havia Aids, mas já havia sífilis. E daí? Importante era mostrar que o rapaz era macho. Sobre filhas, certamente o eleito não tem conselhos a dar, pois, como ele já disse, mulheres são geradas em “fraquejadas”. A orientadora sexual, nesse caso, é a mamãe.

Que Bolsonaro venha do tempo do Onça e seja ultraconservador é um problema dele. Agora, o que preocupa é ele querer impor a todos seu ideário retrógrado. Diz que foi eleito pela maioria dos brasileiros. Não é verdade. Se o capitão reformado recebeu 57 milhões de votos, 90 milhões de eleitores lhe deram as costas, somando os votos em Haddad, as abstenções, os nulos e os brancos. Portanto, Bolsonaro exagera quando afirma que, nas urnas, os brasileiros mostraram que são conservadores. Os evangélicos que votaram no ex-capitão são conservadores, mas o que dizer dos tucanos que se viram sem alternativa e embarcaram na onda antipetista, mesmo torcendo o nariz? Bolsonaro, sim, é reacionário. Basta ver sua retórica anticomunista, dos tempos da Guerra Fria. O mundo mudou, o muro de Berlim caiu, a União Soviética ficou na História, mas ele vê agentes comunistas em cada esquina. Faz questão de exibir livros de autores que apontam na esquerda a origem de todos os males da Humanidade. Resta saber se os leu ou se servem apenas de decoração.

Mas voltemos ao tema central. O que leva o presidente eleito a se considerar um especialista em Educação? Será que ele se graduou em Pedagogia e esse item não consta de sua biografia? Explico a razão de minha dúvida. Eu convivo com professoras universitárias que dedicaram e dedicam sua vida à Educação. Cursaram Pedagogia, fizeram mestrado e tornaram-se doutoras, com todo mérito. Muitas investiram em pós-doutorado com uma só preocupação: acumular conhecimento para transmitir a seus alunos o mesmo grau de excelência. Seus estudos e teses são respeitados no Brasil e no exterior. Mas aí aparece um tal de Bolsonaro a deitar falação sobre a Universidade, o meio acadêmico e o Enem, como se entendesse alguma coisa a respeito. Bolsonaro não sabe nada de Educação. Fala de pura orelhada. Não tem sequer um ‘Posto Ipiranga’ para consultar. Seus comentários são ridículos e preconceituosos. Sua abordagem pedagógica é boboca. Uma vergonha.