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Ao presidente eleito

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Há muito que se discute o que é mais importante para definir a Presidência da República: as instituições que a regulam ou a personalidade do ocupante. O governo, afinal, não é um conjunto de forças cegas, mas um grupo de pessoas lideradas por um(a) chefe de Estado. Não é uma máquina, mas um ser vivo. Não se enquadra na teoria do universo, mas na teoria da vida orgânica. A Presidência é uma instituição maleável. Pode ser modificada através de reformas institucionais ou graças à ação mais direta e menos previsível da troca de presidente. É evidente que os dois fatores são importantes. As forças institucionais que definem o caráter da Presidência são complexas e mutáveis. E a influência da personalidade do presidente sobre as instituições que cercam o cargo é profunda e indiscutível.

Um presidente sadio tem que ser capaz de conquistar a confiança do povo. E só conseguirá fazê-lo se disser a verdade, obedecer à lei e respeitar o público e seu direito de ser informado a respeito dos atos do Executivo. O povo, hoje, quer saber se o futuro presidente tem uma atitude sadia com relação ao mundo e a si mesmo; se tem tendência para a megalomania, que poderia agravar-se com o exercício do poder; se lembrará de que foi o povo quem o escolheu e de que o povo é responsável pelo mandato que exercerá. Estou convencido de que devemos observar atentamente seu senso de humor e de resistência.

Durante a campanha, o presidente eleito viajou toda a nação, ouviu muitas opiniões e se inteirou dos problemas de várias regiões e comunidades. Só assim pode ter aprendido a respeitar as profundas diferenças que existem em nosso país. O presidente eleito não poderá faltar ao povo neste momento de crise. O futuro chefe do Executivo deverá reconhecer que “o espírito da liberdade é o espírito que não está tão certo de que tem razão”, e, por isso, não poderá exceder os limites constitucionais do poder presidencial. Estou convencido de que, além da ambição, as qualidades essenciais para um presidente devem ser gostar da política, sem radicalismo, gostar das pessoas e sentir prazer quase físico em participar do processo democrático de liderança. Afinal, o objetivo do governo é a felicidade do povo.

Acredito que sua intenção é a de procurar estar atento às necessidades populares para atender democraticamente a missão que se avizinha.

A nação carece de um chefe de Estado que seja capaz de responder a perguntas sem transferir responsabilidade; que esteja em condições de imprimir cunho pessoal à Presidência sem se isolar do povo; que possa impor sua liderança sem se tornar um ditador. O povo já conheceu, na campanha, os perigos da paranoia e da violência. O eleitor hoje sabe que a Presidência é importante demais para ser ocupada por alguém que considere a vingança e a desunião como instrumento de poder político.

Ao maior interesse do povo brasileiro pela personalidade presidencial deve-se somar a maior consciência da necessidade de reformas institucionais. O Congresso, os partidos e a imprensa são imprescindíveis para tornar a conduta presidencial mais condizente com os ideais democráticos. O papel dessas instituições será exercer sobre a Presidência uma pressão institucional e psicológica que se oponha ao exercício arbitrário do poder. As reformas necessárias expressam minha crença de que a responsabilidade do Poder Executivo só será restaurada se o presidente tiver consciência de que existem outras instituições capazes de o enfrentar em pé de igualdade.

Muitas dessas reformas têm o mesmo objetivo: exigir que o presidente se defronte com o público e forçá-lo a reconhecer o direito e capacidade de o povo usar de força, se necessário, para impedir que ele contrarie a Constituição ou os desejos populares. Reformas institucionais podem ajudar a definir os limites da conduta presidencial, mas apenas o próprio mandatário será capaz de determinar a qualidade dessa conduta.

* Sociólogo e professor