ASSINE
search button

Um futuro (des)governo?

Compartilhar

Recentes declarações do futuro governador do Estado do Rio de Janeiro, eleito na esteira dos votos de Bolsonaro, demonstram inabilidade com o uso das palavras e, principalmente, uma certa inadequação com o cargo que irá em breve ocupar. É hora de descer do palanque e enfrentar com serenidade os problemas de um estado quebrado. Mire-se no exemplo do seu líder que já amansa o discurso peremptório e excludente, ciente dos grandes desafios que tem pela frente.

Enfrentar a questão da segurança e da violência com frases como “abater” bandidos armados com fuzis, com um “tiro na cabecinha” dado por snipers ou por drones é fornecer a senha para que a bandidagem se utilize das mesmas práticas. É sempre bom lembrar que o tráfico está muito mais bem armado que as polícias e que não lhe falta pessoal nem dinheiro para adquirir armas e equipamentos, sem precisar realizar licitações públicas. Menos confrontos e mais ações de inteligência é a política de segurança desejável.

Só nos falta agora ter drones sobrevoando a cidade como forma de intimidação sobre o poder público e a população, anunciando futuras batalhas aéreas, como se já não nos bastassem as que ocorrem diariamente no asfalto, nas periferias e que tanto enlutam as famílias. Cautela com o que se diz e propaga. Juízo, como diz o seu próprio bordão da campanha eleitoral.

Ao se ler o Plano de Governo do futuro governador e de ter assistido a alguns debates na fase eleitoral, constata-se alguns equívocos conceituais que precisam ser debatidos e corrigidos. Quando toda uma geração de líderes comunitários e profissionais da área transformaram em verdade consensual a política pública voltada para a urbanização das favelas, como solução mais econômica e socialmente mais justa e democrática, objetivava-se garantir aos seus moradores a titulação de propriedade de suas habitações providas de infraestrutura urbana básica como saneamento, arruamento, iluminação, resgatando, assim, uma dívida social de décadas. Transformar as favelas em bairros populares integrados ao tecido urbano formal é uma questão de afirmação de princípios democráticos do direito de todos à cidade.

Quando se ouve o futuro governador dizer que a abertura das ruas nessas comunidades tem como finalidade facilitar a mobilidade das forças de repressão ao tráfico, percebe-se claramente a mudança de foco e do objetivo principal dessas intervenções. Subordinar políticas sociais às de segurança pública é repetir erros já cometidos, exemplificados pelo insucesso das UPPs.

O Plano de Governo do futuro governador tece críticas verdadeiras à acomodação do poderes municipais e estaduais no uso de recursos federais em habitação popular, que os levaram a omitir-se em formular políticas públicas consistentes e independentes, assim contribuindo para o aumento do déficit de habitações que hoje alcança o patamar de cerca de 400 mil unidades no Estado do Rio de Janeiro.

Toda a crítica feita por anos à política do BNH e CEHABs de construir megaconjuntos habitacionais em áreas periféricas, sem infraestrutura, transporte e emprego próximo, constituindo-se em verdadeiros guetos sociais e espaciais, deixou de ser aproveitada. Tais erros foram repetidos de certa forma no Programa Minha Casa Minha Vida, projeto ainda na pauta dos últimos governos federais.

Utilizar-se dos vazios urbanos em áreas já consolidadas e compactar as cidades, revitalizando seus bairros já providos de infraestrutura, é a solução que assegura o bom urbanismo para as nossas cidades e que contraria a proposta ora divulgada de construção de conjuntos habitacionais no entorno do Arco Metropolitano como forma de se enfrentar a insegurança e sua subutilização. É mais do mesmo.

Enfim, sugere-se menos falatório e mais planejamento que resulte em ações eficazes que melhorem a vida da população carioca e fluminense, escaldada que está pelos últimos desgovernos estaduais e municipais.

* Arquiteto e urbanista