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Trinta anos depois

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Outro dia fui visitar um amigo cujo escritório fica no mesmo prédio, no mesmo corredor, no mesmo andar da antiga sede da Odebrecht, em Brasília. Impressiona. O que já existiu como poderoso centro de política e operações de grande alcance está fechado, caindo aos pedaços. Abandonado no centro de Brasília. A ironia é que no momento em que passava na frente das ruínas, o juiz Sergio Moro concedia sua primeira entrevista coletiva na qualidade de ministro da Justiça convidado para trabalhar no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro. Moro virá para Brasília, Lula está em Curitiba e a Odebrecht retornou à sua dimensão baiana. Mudou tudo.

Empresários comemoram em Brasília, São Paulo e Rio o fato de que o preço da corrupção baixou. Sempre haverá algum tipo de suborno, mas deverá regredir ao nível individual. A expectativa é a de que desapareça a corrupção sistêmica. Empresas não mais precisarão manter uma divisão para organizar a distribuição de propina. É o que está sendo comemorado. Os lobistas não esquecem o passado recente.

Jair Bolsonaro participou da comemoração do trigésimo aniversário da Constituição. Ele não foi constituinte, mas desfruta do resultado dos debates espetaculares ocorridos ao longo daquela assembleia. Sigmaringa Seixas, advogado de larga atuação em Brasília, tem orgulho de duas glórias na sua vida. Foi constituinte de 1988 e jogou futebol com Gerson, o canhotinha de ouro, na praia de Icaraí, em Niterói. João Pimenta da Veiga, líder do PMDB no processo constituinte, hoje é um ativo fazendeiro e só briga pelo preço da arroba do boi. Acompanha a política à distância. Severo Gomes e Ulysses Guimarães morreram juntos com suas esposas no desastre de helicóptero no mar nas proximidades de Angra dos Reis, em outubro de 1992.

Ricardo Fiuza, o incisivo líder do centrão, faleceu em Recife. Marco Maciel, habilíssimo negociador do antigo PFL, é vítima de um mal incapacitante. Mário Covas, líder do PMDB, na Assembleia Constituinte foi levado por aquela doença. Airton Soares, ex-petista, é advogado em São Paulo. José Richa também nos deixou. O presidente Michel Temer falou na festa dos 30 anos da Constituição. Ele foi constituinte. Seu governo terminará em menos de dois meses. Outro integrante da Assembleia é Luiz Inácio Lula da Silva, que dá expediente na cela da Polícia Federal em Curitiba. Não compareceu.

Trinta anos atrás as pessoas não conseguiram perceber o processo de mudança que ocorria no mundo. O mundo seguia seu roteiro delirante naquele quadrante. O muro de Berlim caiu e a União Soviética deixou de existir. Partidos comunistas do mundo ocidental ficaram órfãos. E a China, depois de Mao Tse Tung, iniciou sua surpreendente virada na direção do capitalismo de Estado. Hoje é a segunda maior economia do mundo. A guerra fria terminou. Houve até que enxergasse na confusão de sentimentos políticos o fim da história. Não acabou. Tornou-se mais complexa.

O mundo caminha por espasmos. O Brasil também. O país está de novo diante da polarização parecida com a de 1964. Mudaram os personagens, mas os argumentos são semelhantes, perigosamente semelhantes. Apesar dos políticos, o país teve algum crescimento nos últimas décadas. Surgiu o agronegócio organizado e lucrativo. A corrupção contaminou as bases da economia e da política. Devastou os partidos. Os constituintes de 1988 nutriam a esperança de criar um país livre de antagonismos caipiras e debates rasos. Não conseguiram ser bem-sucedidos. O governo Bolsonaro encerra o ciclo iniciado na constituinte de 1988. Abre perspectivas novas, inesperadas e surpreendentes no novo mundo digital, que os antigos custam a perceber. Há uma avenida de oportunidades à frente. Outra geração chegou ao poder.

* Jornalista