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Reduzir as reservas - uma ideia perigosa

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O jornal “Valor Econômico” informou recentemente que Paulo Guedes estaria propondo vender reservas internacionais para recomprar títulos internos e reduzir a dívida pública. Não ficou claro se a informação era precisa. Guedes explicou, depois, que a venda de reservas só ocorreria em cenário de ataque especulativo. Se o dólar chegasse a R$ 5, disse, “seria ótimo, pois reduziremos dramaticamente a dívida interna”. Vendendo US$ 100 bilhões de reservas cortaríamos a dívida interna em R$ 500 bilhões, calculou o futuro ministro da Economia. E acrescentou: “Se houver uma crise especulativa, não tem problema nenhum. Isso vai acelerar o ajuste fiscal”.

Já que a ideia de vender reservas parece rondar a equipe do presidente eleito, vale a pena voltar a tratar do assunto. Já o fiz recentemente no “Jornal do Brasil”, quando Ciro Gomes levantou a proposta na campanha presidencial.

Quais são as premissas da proposta de Guedes? Basicamente, três: 1- o Brasil tem reservas muito maiores do que seria recomendado por considerações prudenciais; 2- o custo de manter essas reservas é pesado, contribuindo para onerar o déficit fiscal e aumentar a dívida pública; e 3- seria possível vender sem problemas o excedente e recomprar títulos federais, reduzindo a dívida pública.

A proposta pode parecer atraente. Mas é inconveniente e, provavelmente, perigosa. No artigo que publiquei aqui no fim de agosto tentei explicar por que a primeira premissa é duvidosa. Não vou repetir os argumentos. Acrescento apenas que, ao longo de 2018, o nível de reservas requerido para o Brasil deve ter aumentado. A evolução do quadro econômico, social e político do país é preocupante. O novo governo enfrentará, tudo indica, grandes dificuldades para encaminhar um programa econômico eficaz. Além disso, o quadro internacional se afigura problemático.

O Brasil não tem, na prática, grande folga em termos de reservas internacionais. O volume que poderia ser vendido sem colocar o país em risco é certamente muito inferior aos US$ 100 bilhões mencionados por Guedes. E, se essa venda fosse feita em meio a um ataque especulativo forte o suficiente para levar o dólar a R$ 5, a dinâmica que se criaria com a diminuição das reservas de US$ 380 para US$ 280 bilhões poderia facilmente levar o país a um colapso cambial.

Quanto à segunda premissa, vale notar que o custo de carregamento das reservas vem diminuindo pelo lado do diferencial de juros. No passado recente, os juros internos caíram consideravelmente e os externos subiram. O custo das operações compromissadas (a contrapartida da acumulação de reservas) é hoje menor, em razão da queda da Selic, e a rentabilidade das reservas é maior, em razão da alta das taxas de juro nos EUA. Não se deve perder de vista, ademais, que o custo de carregamento depende não só do diferencial entre os juros internos e externos, mas também da trajetória da taxa de câmbio. Uma depreciação significativa da moeda nacional pode até levar a um custo de carregamento negativo em certos períodos, isto é, ao que se poderia chamar de um “ganho de carregamento” de reservas.

A terceira premissa também é questionável. Caso a proposta viesse a ser aplicada, não ocorreria uma redução do nível da dívida pública, mas uma mudança da sua composição. A dívida interna diminuiria, mas a dívida externa líquida subiria em função da queda das reservas. O estoque da dívida pública líquida permaneceria inalterado.

Finalmente, há que considerar o efeito sobre a taxa de câmbio. Vender reservas implica aumentar a oferta de dólares, o que leva a uma desvalorização da moeda estrangeira relativamente à nacional. Se o volume ofertado for expressivo, a apreciação do real poderá ser prejudicial. Além de aumentar o custo de carregamento das reservas remanescentes, a apreciação pode ser inconveniente dos pontos de vista da competitividade internacional da economia e do equilíbrio das contas externas. Por esse motivo, a utilização das reservas teria que ser, necessariamente, limitada em volume e conduzida de forma gradual.

Em suma, nas circunstâncias atuais, a venda de reservas não ajudaria muito no ajuste fiscal e aumentaria a vulnerabilidade externa da economia.

* O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai

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