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Brasil: país do futuro?

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Sempre acreditei na famosa frase “O Brasil é o país do futuro”. Surpreendia-me em todas as viagens com a imagem positiva que o Brasil “tinha” internacionalmente com investidores, acadêmicos, produtores, artistas e pessoas que me abordavam querendo visitar ou mesmo vir morar em nosso país. Ainda somos uma grande referência em muitos setores. No audiovisual, por exemplo, temos a admiração de mercados emergentes e desenvolvidos. Nos últimos anos, mesmo na maior crise econômica da nossa história, o setor seguiu forte, crescendo e se consolidando como um grande gerador de empregos, fazendo do audiovisual brasileiro uma verdadeira potência econômica capaz de passar a indústria farmacêutica no PIB nacional e gerar mais empregos que a indústria automobilística. No meio ambiente saímos do Acordo de Paris como uma das maiores esperanças e exemplos para a humanidade. São muitos destaques em setores estratégicos que exportam metodologias, empresas, ações sociais e ambientais para diversos países do globo.

Passei boa parte dos três últimos meses filmando e dando palestras fora do país, me surpreendi muito com a atual percepção estrangeira sobre esta eleição! A primeira impressão que tive foi de surpresa, a segunda de tristeza e a terceira de descrença em um futuro projeto que nos avizinha. Investidores mais responsáveis com o social e o meio ambiente já ensaiam uma fuga, turistas perdem interesse em nossa gente e, consequentemente, nas nossas cidades. Vizinhos temem futuras relações diplomáticas, familiares, amigos, sócios preocupados pelos que aqui ficarão. As principais perguntas dos que não vivem em nossas terras são “por que?” e “como?”. Tenho recorrido ao mito de Narciso para explicar essas perguntas. Diz a lenda que o adivinho Tirésias disse, na ocasião do nascimento do menino Narciso, que ele teria vida longa desde que não olhasse o seu próprio reflexo. Acho que passamos todos esses anos sem olhar nosso próprio reflexo. E fomos complacentes com momentos históricos onde deveríamos ter tido atitudes mais incisivas. Cultuamos como heroína a princesa Isabel, última monarca a abolir a escravatura no planeta sem criar condições dignas de inserção do negro na sociedade. Cem anos depois ainda assistimos a conservadores e “progressistas” criticarem o sistema de cotas nas universidades que, diante de tamanha atrocidade histórica, representa menos que um grão em uma montanha de trigo. Fechamos os olhos para a anistia ampla e irrestrita dada aos nossos militares que exterminaram e condenarem ao exílio toda uma geração de jovens cheia de sonhos.

Fora estes fatos históricos, colecionamos muitos outros títulos: somos campeões em extermínio de mulheres, campeões no extermínio da juventude negra, campeões em extermínio da população LGBTI, campeões no extermínio de ativistas sociais e ambientais, campeões em extermínio de policiais, campeões na corrupção, campeões em burocracia , campeões em tributar os mais pobres, somos um dos povos que mais mata no trânsito , somos considerados um dos piores destinos do planeta para uma mulher viajar sozinha, temos uma das maiores populações carcerárias do mundo, temos os mais altos índices de desigualdades sociais do continente. Em plena era do aquecimento global, criamos aberrações como Belo Monte , S11D, Complexo Hidrelétrico do Madeira e a tragédia de Mariana. Assistimos às mortes de Marielle Franco, Moa do Catendê, vimos as Escolas sem Partido, universidades invadidas com aval do tribunal eleitoral na semana das eleições, deputada eleita mandando alunos filmarem e denunciarem professores de esquerda, ameaças à imprensa, ameaças aos profissionais de cinema em sets de filmagem. O fato é que mais de 57 milhões de pessoas elegeram, democraticamente, o candidato do PSL e 89 milhões de eleitores se posicionaram de forma contrária ao projeto vitorioso. Porém, o compromisso com a manutenção da democracia e o respeito aos direitos humanos e ambientais devem ser tarefa número 1 de todo o povo brasileiro.

O que mais estará por vir nos próximos quatro anos? Talvez Millôr Fernandes tivesse razão quando disse que o Brasil é o “eterno país do futuro”. Talvez nestas eleições tenhamos desafiado Tirésias e olhado nas águas nosso próprio reflexo.

* Diretor do Cinema Nosso