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Escolas que aprendem não têm partido

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A história do ensino-aprendizagem no século 20 pode ser sintetizada em quatro escolas: comportamentalista (behaviorista), cognitivista, construtivista e humanista. A primeira desenvolveu-se concomitante às de administração científica e burocrática. O que todas as três têm em comum é a crença de que os processos organizacionais podem ser controlados através de normas burocráticas e mecanismos de controle centralizados em autoridades. Embora necessárias, essas abordagens são insuficientes para o desenvolvimento econômico-social e humano. Isso devido à natureza complexa dos sistemas sociais, refletida em princípios da cibernética, como o da variedade requisitada, segundo o qual, mecanismos de controle à prova de fraude precisam ser tão complexos quanto os sistemas que pretendem regular.

A ingenuidade humana, entretanto, nos leva a propor regras mais e mais complexas, sem nos darmos conta da impossibilidade de implementá-las. Parece ser o caso da proposta PL 7180/2014 “Escolas sem Partido”. O PL propõe seis deveres para os professores, a serem escritos em cartazes afixados nas salas de aula. Difícil imaginar que os alunos sejam os fiscais desses deveres.

Dentre eles, o PL 7180/2014 propõe como dever do professor que este “ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa — isto é, com a mesma profundidade e seriedade —, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria”. É importante lembrar que o papel do professor não se limita, como pode sugerir o PL, a questões políticas, socioculturais e econômicas, mas contempla todo o ensinamento que contribui para a formação do caráter e o exercício da cidadania e responsabilidade social. E, ainda, a recomendação não deveria restringir-se às áreas das ciências humanas e sociais, mas também às ciências da natureza e exatas. O desenvolvimento de capacidade de raciocínio crítico é objeto de grande preocupação no ensino do Reino Unido e EUA, para que as crianças não sejam apenas repositórios de conhecimento formatado, mas desenvolvedoras de novas ideias. Para isso precisam compreender também os contextos. A escola ensino-aprendizagem cognitivista trata de como apoiar o aluno na contextualização de seu conhecimento e aprendizado.

O PL propõe, ainda, como dever do professor “Respeito às crenças religiosas e às convicções morais, filosóficas e políticas dos alunos, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”. Para concretizar essa proposta, propõe como que o professor “respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”. Todo educador sabe que a questão moral não é dissociada das questões sociocultural e política. Então, como pode o PL 7180 requerer que o professor apresente perspectivas concorrentes quanto às últimas e não à primeira? Além disso, como fornecer exclusivamente educação religiosa e moral específica individualizada? Mais importante, a contribuição dos pais na formação de seus filhos não se restringe à questão religiosa e moral, pois é papel dos pais e mestres também preparar o aluno para o mercado de trabalho. Se um cartaz com descrição de deveres resolvesse o problema, o PL 7180 poderia também ter proposto afixar um cartaz nas residências familiares, com os deveres dos pais.

Quanto às proibições, referem-se a um verdadeiro assédio moral, para promover, constranger e incitar alunos a seguir determinada linha político-partidária, ideológica, moral ou religiosa. Abusos de autoridade e assédio moral devem ser coibidos em qualquer ambiente e organização. Mas afixar cartazes, sem orientar quanto a procedimentos para averiguação e correção de erros é uma decisão que só pode levar ao acirramento de conflitos, o que não contribui para a melhoria do ensino.

Aqueles que exercitam a atividade letiva sabem que é importante obter avaliações dos alunos sobre cada disciplina. Assim, qualquer medida consistente para melhoria do ensino deveria começar pela correta obtenção de informações e análise destas informações e proposição de mudanças.

A escola ensino-aprendizagem construtivista trata de como todas as partes, professores, alunos e pais, podem interagir de modo ao aprendizado contínuo e mútuo. A escola humanista, ao final, possui ainda um compromisso com o desenvolvimento humano dos agentes envolvidos no ensino-aprendizado.

Assim como as organizações que aprendem de Peter Senge, as escolas que aprendem precisam saber gerenciar o tipo de abordagem ensino-aprendizagem apropriado a cada momento, sem estereótipos ou conceitos pré-concebidos. Pressupõem liberdade de cátedra, mas também o livre pensar dos alunos. Como demandam sistemas complexos, precisam lidar com gestão de paradoxos (“Estruturação de Problemas Sociais Complexos”, Ed. Interciência): formar profissionais para manter processos em operação e capazes de criticar, inovar e transformar estes processos organizacionais.

* Professor da Unirio e da Coppe/UFRJ