ASSINE
search button

Mais devagar com o andor

Compartilhar

Paulo Guedes já deu provas de que é um profissional preparado. O Ibmec se transformou em uma instituição de ensino super-respeitada (dando origem também ao Insper, em São Paulo) com o dedo dele. Participou do grupo original que criou o Banco Pactual. E por aí vai. Tornou-se um articulista polêmico e crítico severo da socialdemocracia, o que o levou a se aproximar de Jair Bolsonaro, depois da tentativa frustrada de lançar Luciano Huck como candidato à Presidência.

Mas é também uma pessoa de temperamento forte. Para conseguir sobreviver em Brasília, precisará de algumas aulas de jogo de cintura, embora há anos venha colaborando em programas de governo de candidatos com os quais encontrou afinidades. E talvez precise de conselheiros que extrapolem a economia.

As críticas que tem feito ao Mercosul, por exemplo, ignoram os ganhos geopolíticos imensuráveis da formação do bloco. Na verdade, daria até para pôr no papel a conta. A união aduaneira nasceu durante a onda de formação de blocos regionais pelo mundo. Era natural que o Brasil se aproximasse de seus os vizinhos nessa onda.

O Mercosul só foi possível devido à posição que o governo brasileiro adotou durante a guerra das Malvinas. Um avião bombardeiro britânico Vulcan foi desarmado quando pousou de emergência na Base Aérea do Galeão. Foi o Brasil que forneceu para a Argentina os catalisadores que mantiveram em funcionamento as refinarias lá durante o conflito, pois eles estavam sendo boicotados internacionalmente, por orientação dos Estados Unidos, que não moveram uma palha em favor dos argentinos.

A guerra das Malvinas foi uma “piração” do governo militar argentino, na tentativa de um último esforço para se manter no poder. Acabou sendo um tiro pela culatra. Mas removeu todas as desconfianças das forças armadas argentinas em relação ao Brasil. Ficou claro que somos apenas adversários no futebol e que, por que não?, podemos ser leais competidores no comércio. Um submarino, principal arma de defesa da Argentina, passou a ser reparado no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. Os pilotos navais brasileiros treinaram na Argentina quando a Marinha aqui recebeu uma pequena frota de caças e helicópteros. Exercícios conjuntos com soldados argentinos na selva foram feitos. E há uma estratégia comum de defesa contra possíveis ataques cibernéticos capazes de paralisar uma nação. Oficiais de alta patente dos dois países se conhecem pelo primeiro nome. Etc. etc.

Mesmo com todas as frustrações da união aduaneira, o comércio se multiplicou por quatro com a Argentina e por cinco com Uruguai e Paraguai após a criação do Mercosul. O Chile, país associado, está na lista dos principais parceiros comerciais do Brasil. Não é pouca coisa. A indústria automobilística não teria vindo para cá com tanto apetite não fosse o Mercosul.

Ah, mas o Brasil tem sido prejudicado por negociar em bloco, abrindo mão de seus próprios interesses. Também não é bem assim. A união faz a força. Se houvesse mais integração econômica no Cone Sul, a conversa seria outra.

Por enquanto ficamos no Mercosul. Essa questão das reservas cambiais também merece uma crítica. A economia brasileira só sobreviveu à mais séria recessão de sua história porque o flanco externo estava razoavelmente guarnecido. Mas o tema fica para outra ocasião. O que não vai faltar é polêmica para comentarmos.

* Jornalista, com formação em economia. Outros palpites sobre o futuro governo Bolsonaro estão disponíveis no meu canal no YouTube