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Os aventureiros

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Sartre sustentava que, ao contrário do que acredita o senso comum, não aprendemos com a experiência. Segundo o filósofo francês, estamos condenados a sempre repetir os mesmos erros ao longo da vida.

Ao examinar a política brasileira, inclino-me a pensar que a afirmativa sartriana aplica-se a nós, não só como indivíduos, também como corpo social. Vivi o suficiente para comprovar que o que parece hoje um grande museu de novidades, como dizia Cazuza, é apenas a repetição de um velho filme.

Em 1960 elegemos presidente um homem chamado Jânio Quadros. Não pertencia a nenhum partido tradicional, afirmava ser contra o sistema político (embora fizesse parte dele); acima de tudo, prometia acabar com esse mal endêmico que vem desde Pedro Alvares Cabral: a corrupção. Seu símbolo, que os adeptos usavam na lapela, era uma vassourinha, com que ia “fazer uma limpeza e varrer a sujeira”. Demagogo teatral, vestindo roupas gastas, caspa escorrendo dos cabelos, puxava sanduíches do bolso para mastigar durante os comícios. Sem programa de governo claro, encantou as multidões com palavreado vazio e seu “jeito autêntico” e foi eleito por esmagadora maioria. Tomou posse em janeiro de 1961. Durou seis meses no governo. Alcoólatra, errático, acusando o Congresso de “não o deixar governar”, renunciou na tentativa de um golpe e quase jogou o país numa guerra civil. Corrupto, viveu muito bem o resto da vida sem trabalhar; e a própria filha, Tutu, numa briga deu o número da conta secreta que mantinha na Suíça – mas ninguém se interessou em investigar. A nação pagou um alto preço por seu despreparo e irresponsabilidade, mas dizíamos que pelo menos havíamos apreendido uma lição.

Passaram-se menos de 30 anos e um jovem político de Alagoas, chamado Fernando Collor de Mello, que não integrava nenhum partido tradicional e afirmava ser contra o sistema político (embora fizesse parte dele) surgiu como um fenômeno arrasador, prometendo acabar com a corrupção. À frente de uma sigla de aluguel, intitulava-se “caçador de marajás” e o rótulo colou, embora ele próprio fosse marajá, integrante de clã político nordestino dos mais atrasados. Mas a embalagem interessava mais que o conteúdo, na verdade nenhum. O povo queria um salvador, ignorou a falta de ideias e compromissos e votou em massa nele. Tomou posse em janeiro de 1990 e governou 30 meses. Congelou a poupança dos brasileiros e fez cortes de gastos sem nenhum critério, prejudicando o desenvolvimento do país. Foi destituído por impeachment, após grossas denúncias de corrupção. O país pagou um alto preço político por seu despreparo e venalidade, mas dizíamos que pelo menos havíamos apreendido a lição.

Passaram-se 25 anos. Neste outubro de 2018, à frente de uma sigla de aluguel, dizendo-se contra o sistema político (embora faça parte dele), um aventureiro de ideias rasas, sem programa ou compromissos claros, manipulando o ódio e as frustrações do povo, “salvador” que ama o monólogo e foge de debates, afirmando que vai acabar com a corrupção, lidera com boa folga as pesquisas. Sou obrigado a dar razão a Sartre: não aprendemos nada.

* Escritor