ASSINE
search button

Reformulação no Mercosul?

Compartilhar

Recente notícia divulgada na imprensa revela que o governo argentino irá propor a reformulação ou revogação da Decisão 32/2000 do Conselho do Mercado Comum, que veda negociações comerciais em separado dos países do bloco com terceiros, a exceção dos demais integrantes da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi).

O assunto não é novo, dirigentes uruguaios, por exemplo, já insinuaram algumas vezes a necessidade de o país alçar voos comerciais mais ousados visando abrir flancos diversificados para alavancar sua economia, cingida a um mercado doméstico de apenas 3,5 milhões de habitantes.

No Brasil, o assunto nunca foi visto com simpatia; ao contrário, governo e diversas empresas e entidades empresariais sempre se mostraram avessos ao tema sob a quase unânime opinião de não ferir a união aduaneira consagrada pelo Tratado de Assunção, de 1994, e, sobretudo, evitar a transgressão da Tarifa Externa Comum do bloco.

Mas que união aduaneira é essa que tem uma TEC perfurada em quase 50% e dificuldades para eliminar inúmeras restrições não tarifárias que mal caracterizam uma área de livre comércio? Só mais recentemente os quatro países fundadores aprovaram protocolos de compras governamentais e de serviços, falhas gritantes felizmente contornadas.

Em 2010, após marchas e contramarchas, os países aprovaram o Código Aduaneiro do Mercosul (CAM), consolidado em 181 artigos. A última versão do Regulamento Aduaneiro do Brasil, datado de fevereiro de 2009, contém nada menos do que 816 artigos, com o agravante de que, quase dez anos após, não sofreu nenhuma atualização. A incompatibilização entre um e outro código é flagrante. Além disso, teoricamente para ser efetivamente aplicado, o CAM dependerá da criação do Comitê do Código Aduaneiro, cuja data não foi até agora estabelecida, bem como a elaboração do Documento Aduaneiro Único para padronizar ou, pelo menos, harmonizar o trabalho das correspondentes aduanas. Para termos medida da tarefa que deveria ter sido desenvolvida, é importante registrar que ela envolve modificações nos procedimentos de controle e fiscalização em 126 aduanas, 164 portos e instalações portuárias, 33 pontos de fronteiras, 37 aeroportos, 67 portos secos e 23 recintos de remessas postais concentrados nos quatro países membros fundadores. Imagine agregar ao trabalho o código aduaneiro da Venezuela (atualmente suspensa, temporariamente) e mais o da Bolívia, cujo ingresso efetivo no Mercosul só depende de aprovação pelo Congresso brasileiro. Haja tecnicismo, competência e sentido de cooperação nessa empreitada para harmonizar códigos e procedimentos tão díspares.

Para efetivamente consolidar uma união aduaneira no Mercosul também será necessário coordenar a eliminação da dupla cobrança da TEC e regulamentar a repartição equitativa da renda aduaneira, adotar um manual de procedimentos para aplicação da “valoração aduaneira”, além de procedimentos comuns para aplicação da legislação sobre os processos de defesa comercial ou para regularizar preços predatórios de determinadas importações.

Em termos de negociações internacionais o desempenho do Mercosul foi medíocre mediante insignificantes acordos denominados de livre comércio firmados com Egito e Israel e os preferenciais com Índia e a União Aduaneira da África Austral (Sacu, na sigla em inglês). As negociações com a União Europeia se arrastam há quase 20 anos e os novos entendimentos com a EFTA, Canadá, Coreia do Sul e Singapura são saltos importantes, mas ainda exploratórios.

O pleito argentino surge num momento aziago para o governo Macri. Após um início promissor com a renegociação da dívida externa do país, o último período revelou as antigas mazelas financeiras centradas no incontrolável déficit fiscal, inflação galopante e acentuada desvalorização do peso. Tudo isso carrega para 2019 um pesado fardo que pode representar nova reviravolta nas eleições presidenciais naquele país com prenúncio de volta do “kirchnerismo”, fazendo renascer o inefável populismo que tanto o atrasou nos últimos anos.

Para o Brasil, com ou sem união aduaneira, a reviravolta na política e consequentemente na economia Argentina só agravará a relação com nosso terceiro parceiro comercial. Será fundamental que o novo governo que assuma o Brasil no próximo ano, adote uma postura pragmática sobre a atual marcha do processo de integração regional. Não será necessário operar uma reforma no Tratado de Assunção para atender, ainda que em parte, o pleito argentino. Basta estudar uma remodelação da Decisão 32/2000, criando um “waiver” (licença) permitindo que qualquer dos países membros fundadores do Mercosul desenvolva negociações bilaterais com parceiros não regionais, desde que tais entendimentos fiquem abertos à adesão dos demais sócios após concretizado o acordo base. Seria um passo importante para o desmonte paulatino de um protecionismo arraigado que nos trava há anos.

A AEB pode disponibilizar sugestões a respeito.

* Vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)