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Grão-mestre Suassuna, quanta saudade

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Não tive a ventura de assistir pessoalmente às inigualáveis aulas-espetáculo ou às interessantíssimas palestras do grande filósofo, teatrólogo, professor e poeta, o paraibano Ariano Suassuna. Mas graças à minha tímida, porém gratificante aproximação do YouTube, pude me deliciar com alguns dos sábios ensinamentos e também com o incomparável senso de humor deste grande e brilhante brasileiro. Dei muitas gargalhadas sonoras com as suas tiradas humorísticas.

Que homem extraordinário! Conhecedor profundo da literatura universal dos recentes séculos e do período greco-latino, apreciador da boa música erudita e popular, o que mais ele amava, quase idolatrava, era a cultura e o povo brasileiro. Ele era um apaixonado pela brava, denodada, sofrida e criativa gente brasileira.

Segundo sua própria avaliação, ele era um representante fiel do Brasil Oficial, de acordo com a classificação de Machado de Assis, mas era no Brasil Real que a sua alma brotava e tomavam formas suas brilhantes criações. Era na literatura de cordel que se inspirava para a criação de personagens principais, como João Grilo e Chicó no sucesso de sua peça “O Auto da Compadecida”. Ele era básica e autenticamente um sertanejo, nascido na Paraíba e criado e formado no Recife, capital de Pernambuco. Segundo sua própria conclusão, a Paraíba era o seu lado materno e Pernambuco, o seu lado paterno. Foi esta sua solução hábil para os seus dois lados queridos se fundirem em um único lado total e integralmente brasileiro.

Não desprezando sua concordância com os valores de países estrangeiros, Suassuna se comprazia na certeza de que a nossa brasilidade era aquela que possuía as mais altas qualidades.

Suassuna criticava a atração antiga que os brasileiros do Brasil Oficial sentiam pela França, por exemplo, ou pela Inglaterra. As ricas famílias nordestinas e as demais do Brasil rico enviavam seus filhos para estudarem na Europa. Os produtos franceses, por exemplo, como os perfumes, as famosas grifes da moda, os modelos literários e culturais, eram modelos a serem admirados. E nós, pobres brasileiros do Brasil Real éramos relegados à condição de seres humanos de 2ª categoria.

A superioridade da Europa foi na atualidade substituída pela hegemonia dos Estados Unidos. O produto cultural americano, principalmente a música popular, e a sua instrumentação eram o suprassumo do modelo a ser imitado. Surgiram muitos músicos brasileiros que executavam e interpretavam recentes modelos americanos. E o que dizer das bandas populares? Uma das toscas imitações brasileiras era a banda chamada Calipso, classificada como a demonstração musical de melhor qualidade da música popular brasileira. E Suassuna debocha, apresentando suas primeiras estrofes: “Para me conquistar é preciso suar. Para me conquistar é preciso rebolar”. E Suassuna pergunta, irritado, se essa era a melhor música representativa do gosto musical brasileiro.

Como comparar o infantil senso de humor dos americanos com as suas tortas esparramadas nos rostos dos atores e atrizes com a astúcia, a esperteza, a malícia de um João Grilo ou Chicó?

Como não se emocionar diante da gostosa sabedoria sertaneja do homem comum que às vezes entende mais profundamente os anseios e os conflitos da alma humana?

Suassuna era um brasileiro apaixonado pelo Brasil. A sua “brasilidade” era tão autêntica, tão comovente que chega a emocionar e contagiar. Confesso que ao ouvi-lo e vê-lo na telinha do meu smartphone, eu me deliciei, e renasceu em mim o orgulho de ser brasileira, de ter nascido neste pobre rico Brasil, possuidor de um acervo incomparável, incomensurável de pérolas, de joias culturais, de uma música linda, de poetas e escritores, em geral brilhantes e criativos. Ele era tão autêntico e sincero nesta sua paixão que me fez esquecer temporariamente as trevas e incertezas que envolvem o nosso país atualmente.

Eu tenho uma fantasia, que Suassuna, ao chegar ao paraíso, deve ter encontrado um longo tapete devidamente recoberto de flores amarelas e folhagens verdes, ao longo do qual ele desfilaria com os aplausos de grandes brasileiros já mortos, de um lado e de outro e no ar, balançariam gambiarras verdes e amarelas, dando as boas-vindas ao grande brasileiro.

Obrigada, mestre Suassuna! Muito obrigada por essa aula de patriotismo e brasilidade!

* Mestre em Educação pela UFRJ