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Onde está Chiquinho?

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Chiquinho, meu primo, era filho único. Alto, louro, boa pinta, não gostava de política, mas não era alienado. Sabia de tudo, mas não participava de nada.

Seu mundo era a vida. Adorava viver. Adorava principalmente o mar. Se pudesse, viveria lá dentro, nas suas marolas, nas suas ondas. Gostava de ler romances e contos. Seu livro predileto era “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway. Estava sempre namorando. Vivia entre uma e duas deusas, fugindo de uma e ficando com outra.

Era 1973 e tinha, nessa época, 22 anos. Morava numa casa de vila em Botafogo, na Rua Real Grandeza, bem perto da Voluntários da Pátria. Morava com os pais, meus tios Francisco e Dora. Meu tio Francisco era advogado e jornalista. Minha tia Dora era muito culta, cuidava da casa e lia Sartre, Camus e Zé Lins do Rego. Meus tios também não gostavam de política.

Um belo dia, no mês de junho ou julho daquele ano de 1973, Chiquinho desapareceu. Sumiu, desapareceu da noite para o dia. E aí, passou uma semana, duas, três, quatro, e nada. Depois, mais um mês, dois, três, quatro e nada. Meus tios foram ficando tristes, desesperados, muito tristes. Não entendiam o estarrecedor desaparecimento de Chiquinho.

Pensavam que poderia ser o mar, mas o corpo não aparecia. E no dia do desaparecimento, ele tinha ficado no quarto com a namorada. Meus tios corriam em necrotérios e tudo era em vão. Misteriosamente, Chiquinho tinha desaparecido. Meus tios, que eram alegres como Chiquinho, foram com o tempo murchando, entristecendo. Cada vez mais entristecendo.

Viviam sempre na esperança de que um dia Chiquinho reapareceria porta adentro, carregando sua inseparável prancha de pegar jacaré. Mas aí quem entrava era a tristeza. Chiquinho não reaparecia. Meus tios foram perdendo a alegria de viver. Nunca mais foram felizes e alegres como antes.

Com a passagem do tempo, envelheceram e faleceram levando da vida a terrível interrogação: onde foi parar o nosso filho? Onde está Chiquinho?

Pois bem, anos mais tarde tive acesso a documentos da repressão, onde apareciam referências ao meu nome. E surgiu um informe do I Exército-CIE-Cenimar, no qual eles identificavam e confundiam meu primo Chiquinho comigo, filho do coronel Dagoberto Rodrigues, que, como eu, era militante do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário). Eu nunca morei com meus tios na Rua Real Grandeza.

O pior e mais terrível de toda essa história é que agora, anos depois, os responsáveis por todo esse sofrimento dos meus tios estão voltando. Estão se preparando para tomar o poder novamente, como fizeram durante 21 anos, aproveitando-se de um momento tão frágil da nossa sofrida democracia.

* Escritor e compositor