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Feminicídio em época de eleição

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O telejornal começa com a seguinte notícia: quatro mulheres foram vítimas de feminicídio nos últimos quatro dias, em São Paulo. O período inclui o feriado de Nossa Senhora Aparecida e o Dia das Crianças. Duas datas que têm mulheres em seu protagonismo; a primeira, uma santa, a padroeira do Brasil. A segunda, as mães, geradoras biológicas das crianças. O telejornal é nacional, embora tenha aberto com a informação sobre os crimes que aconteceram em São Paulo. Para um telejornal abrir, em plena época de eleição ardendo em chamas, com a notícia de quatro crimes num único estado, só há um motivo: o fogaréu provocado pelos assassinatos é muito maior do que o incêndio político que se espalha pelo país. O pânico de quem está no meio dessa fumaça toda e não consegue enxergar, mal tem força para respirar e teme abrir os olhos e avistar os cadáveres que existem pela frente, arde mais do que as pesquisas eleitorais que enchem eleitoras e eleitores de medo e dúvida cada vez que são divulgadas. E adivinhe você, leitora ou leitor, quem é que está sofrendo no meio desse fogaréu: as mulheres, vítimas de um feminicídio que não cessa, de um crime presente nas famílias, nos lares, dentro das casas, na frente dos filhos.

A cada duas horas uma mulher é assassinada no país. Em 2017, mais de quatro mil mulheres foram alvos de crimes dolosos. Cerca de mil foram considerados feminicídios, que é o assassinato cometido pelo fato de a vítima ser mulher. E 2018 não está sendo diferente. Voltamos ao telejornal e ao último feriado. Quatro mulheres foram vítimas de feminicídio nos últimos dias, em São Paulo.

Guarulhos, Grande São Paulo, madrugada de domingo. Ellen, 22 anos, mãe de uma criança de três anos. Assassinada pelo ex-namorado, com quem se relacionou por cinco meses. As ameaças tiravam o sono de Ellen desde que ela decidiu que não queria mais namorar o criminoso. Também houve as tentativas: por enforcamento, com uma faca. Com os cinco tiros, o assassino conseguiu. Está preso.

Sumaré, interior paulista. Feriado da padroeira do Brasil. Um engenheiro matou a ex-mulher e, em seguida, cometeu suicídio em um condomínio de luxo. Sete tiros. O casal estava separado havia sete meses. Deixa dois filhos.

Ainda sexta-feira. Renata está numa praça da capital paulista com um sobrinho. O ex-marido para o carro e atira. Sai do veículo e dispara mais uma vez. Ela morre. Ele está preso.

Sheron é a quarta vítima. Morreu queimada, no mesmo feriado. O marido ateou fogo. Ficou seis dias no hospital, mas não resistiu. O assassino fugiu. Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, os casos de feminicídio no estado cresceram 12% de janeiro a agosto deste ano, em relação ao mesmo período de 2017.

Nunca é demais lembrar que o artigo terceiro da Lei Maria da Penha define: devem ser asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à Justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

De 1976, quando o termo foi usado pela primeira vez, no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas, passando por 1992, quando foi resgatado pela escritora feminista sul-africana Diana Russell, no livro “Feminicide: The Politics of Woman Killing”, que jogava luz à não acidentalidade de mortes violentas de mulheres, muito se progrediu. As mulheres não se calam. Os telejornais dão ao tema a devida importância. A despeito dos números crescentes, a luz no fim do túnel é o olhar crítico da sociedade, o grito das mulheres vítimas de machistas e a prisão aos assassinos.

* Jornalista