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A dimensão da ameaça

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Uma vitória de Jair Bolsonaro no dia 28 de outubro representará o desmonte das conquistas duramente negociadas pela sociedade civil brasileira, desde o segundo pós-guerra, em todos os campos do conhecimento.

As perdas incidirão sobre um patrimônio extremamente diversificado, todo ele fruto de um lento e complexo processo de amadurecimento, repleto de avanços e recuos, que hoje nos sustenta, como integrantes que somos de uma nação que se respeita. E que sofrerá uma ruptura civilizatória, de alto a baixo, rica em ameaças e truculências, pobre em soluções para os desafios com que nos deparamos.

Mas isso não é tudo. Uma ameaça distinta também desponta no horizonte. Aquela que tenderá a mudar o foco de nossas conversas. E que não tardará a dar o ar de sua graça.

O interesse de Steve Bannon por nossa eleição não é gratuito. E seu comprovado envolvimento com a campanha Bolsonaro não surpreende. O Brasil tem escala e grandeza para atrair cobiças, como sabemos desde as capitanias hereditárias. Não será, assim, surpresa se novos cantos de sereia visando “internacionalizar” a Amazônia se deixem ouvir. Ou que propostas de “parcerias” sejam levadas à mesa, para nos auxiliar a melhor aproveitar nossas riquezas (pré-sal à frente delas). Essa, a escala de grandeza do jogo que se anuncia, rico, ele próprio, em desdobramentos secretos.

E como a capacidade de resistência do Brasil frente a seu poderoso vizinho tenderá agora a derreter como neve ao sol, não fica difícil imaginar o que será feito de nossa soberania.

É assim inevitável que Washington festeje, como conquista bem-vinda, uma vitória que abrirá espaço para a criação de um eixo Norte-Sul no continente. Com efeitos geopolíticos que logo se farão sentir na região, abalando um século de negociações pacíficas que honram nosso país e as melhores tradições da diplomacia brasileira.

O Brasil levou anos para se refazer do vergonhoso apoio dado ao governo dos EUA quando da invasão da República Dominicana, em 1965. Na ocasião, à frente de uma constelação de ditaduras (Honduras, Paraguai, El Salvador), mandamos tropas para participar de uma ignomínia: a derrubada de um presidente eleito. Não fica difícil imaginar, agora, a que outras aventuras do gênero não seremos levados a participar.

Fatalmente, também, esse eixo de matiz ultraconservador movimentará seus tentáculos por toda uma região hoje enfraquecida e dividida, valendo-se de todos os meios para defender e promover seus interesses que, como é próprio de economias assimétricas, raramente coincidirão com os da região. E o sonho da integração regional será reduzido a cinzas.

Difícil conceber, à luz do que precede, que essa crônica de um horror anunciado tenha por causa principal o “ódio a tudo que aí está”. E que, descontados os infelizes que desde sempre se deixam iludir por aventureiros ou irresponsáveis, o grosso dos eleitores de Bolsonaro (aliado à parcela de indecisos) disponha-se agora a mergulhar o país em uma crise de dimensões imprevisíveis por uma única razão, a de se vingar.

De quem, exatamente? E para castigar a quem? A si próprios? A seus filhos e filhas? As gerações futuras?

Estamos diante do maior confronto eleitoral de nossa História. E, por ele, somos todos responsáveis. Não votemos com raiva. Votemos com consciência.

O que está em jogo é o nosso país. E todos nós...

* Diplomata e escritor