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A mensagem das urnas

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A tônica principal da mensagem das urnas é conservadora. Manifesta no simbolismo do aconchego da terra prometida, a larga margem de votos conquistada por Jair Bolsonaro, que por pouco não lhe serviu a vitória no primeiro turno, é prova cabal de um novo apelo político. E não será nem um pouco imprudente sublinhar tal coisa, ainda que faltem as semanas de campanha do segundo turno. Porque não sobram dúvidas de quão é favorável o cenário para o candidato do PSL, já que seu eleitorado encontra-se cativo, de modo que uma reversão de expectativas só se daria frente a uma catástrofe política não esboçada até aqui. E o fenômeno não se esgota na figura de Bolsonaro, pois aqueles que se associaram ao seu nome foram vitoriosos, como fez de seu partido, até ontem nanico, na segunda força política da Câmara.

Assim, o resultado foi a um só tempo antipolítico e antidemocrático. Antipolítico porque a maré conservadora que vem assolando as principais democracias do mundo tem como lastro a descrença do eleitorado ante o establishment político. Nessa perspectiva, a corrupção é descrita como a causa principal da incapacidade do sistema de oferecer respostas às demandas crescentes de uma sociedade em transformação. Temos, então, a fonte por trás dos protestos de 2013, que, naquele momento inicial, fez do PT sinônimo de corrupção num contexto de acirrada polarização, até ficar claro que se tratava de um comportamento altamente disseminado por toda a estrutura partidária.

Nascem daí as condições para que o clamor popular seja capturado por demagogos que se dizem capazes de restaurar o nexo das virtudes perdidas. Essa não se dá, é claro, pela apresentação de uma proposta política racional, mas sim pela exacerbação das paixões. Em que se trata menos de olhar as mazelas do sistema como tal, e mais na ambição de “reformar” os homens.

Antidemocrático, pois, o antipolitismo é corrosivo às instituições do Estado de Direito. Nessa seara, a realização do conteúdo romântico do conservadorismo radical requer, devido à sua natureza megalothymíca, ações que fogem ao reconhecimento entre iguais. E o bolsonarismo está repleto de arroubos que demonstram um vivo desprezo pela democracia. Evidente, por exemplo, num reconhecimento vacilante dos preceitos democráticos, como pela tendência em considerar saídas autoritárias. Ou, ainda, pelo fraco senso de tolerância para com os oponentes políticos, de modo que paira no ar a ideia de que a solução dos problemas políticos passa necessariamente pelo uso da coerção fora dos limites estritos da lei. É nisso que se baseia a desconfiança quanto à apuração das urnas, a não aceitação de nenhum outro resultado que não o favorável, os ataques à imprensa e desabrida falta de reserva institucional.

No duro, foi a política que prevaleceu. Mais estritamente temas relacionados à corrupção, segurança e costumes. Porém, vistos sob o ângulo moralizante que passa ao largo de qualquer debate ético mais denso, resultando quase sempre em posições simplistas. Nesse momento, a economia assumiu um papel secundário. Muito embora exista um anseio liberalizante, é fora de dúvida de que essa não foi à variável-chave mobilizadora de votos.

No entanto, o fato é que, ao contrário do que tem sido sugerido por vários analistas, nossas instituições não são tão robustas quanto se imaginava. A prova está aí na ascensão bolsonarista. Compare, por exemplo, com o que ocorreu nos EUA, tal como descrito por Levitsky e Ziblatt, no formidável “Como as democracias morrem” (2018), e veremos que aqui a ascensão do radicalismo conservador se deu mais rapidamente do que no contexto americano, onde a chegada de Trump só decorreu depois de um longo processo de guerra política, quando só então os radicais republicanos vieram ocupar o centro do espectro político-partidário, em face de níveis maiores de polarização. Enquanto a nossa ascendeu rapidamente, denotando baixo nível de barreiras institucionais no interior da própria tessitura partidária. Assim, espera-se sempre uma eleição que seja a confirmação do primado democrático, mas a mensagem das urnas foi bem outra... foi, infelizmente, de um maior risco de desdemocratização.

* Historiador