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Meninos sem pátria e crianças sem livros

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Escrevi para a Coordenação do Colégio Santo Agostinho, na condição de pai de duas crianças em idade pré-escolar, um e-mail sobre o recente episódio da retirada do livro “Meninos sem pátria” da lista de leitura do colégio, a pedido de pais que acusavam o livro de promover “doutrinação comunista”.

O livro é um romance juvenil em que um jovem vai viver no exílio durante a ditadura militar, que persegue sua família. Ainda não tive resposta. Considerando o período de perplexidade e angústia que estamos vivendo, decidi compartilhar (com algumas adaptações) a mensagem.

“Estava para procurar a escola, como tenho feito com outras, em busca de informações para embasar a decisão sobre a vida escolar de minha filha, que ingressará no primeiro ano do ensino fundamental em 2020.

Todavia, as recentes notícias divulgadas na mídia sobre a suspensão da recomendação de um livro, motivada por reclamações de pais sobre suposta acusação de “doutrinar crianças”, livro este que tinha como pano de fundo a história real de vítimas da ditadura brasileira, me levou a escrever esta missiva, procurando informações – eis que, de acordo com o divulgado na imprensa, a escola não apresentou nenhum comentário oficial. Gostaria, então, como pai de possíveis futuros alunos, de saber se a informação procede, se o CSA adota algum típico de “relativismo histórico” em relação à ditadura civil-militar e o golpe de 64 – como têm muitos defendido nos tempos atuais – e qual a abordagem pedagógica do CSA em relação à universalidade e centralidade dos direitos humanos.

Minhas perguntas e preocupações decorrem do fato de que a história, tal como já contada, conhecida e reconhecida, bem como a própria defesa dos direitos humanos, se encontrarem sob (inacreditável) ataque dos mesmos que têm se prestado a acusar livros de promover “doutrinação” ao falar de vítimas da ditadura de 64. Sei que a procura por vagas na escola é grande e talvez minha preocupação e possível decisão de optar por outra escola para meus filhos em nada abalaria o CSA do ponto de vista meramente administrativo-financeiro. Mas sinceramente acredito, pelo que conheço de sua história, que não são essas razões que movem o colégio.

Aliás, nos cursos de graduação que fiz (Direito na Uerj e Comunicação Social na UFRJ) conheci excelentes pessoas – como cidadãos e estudantes – que vinham do Colégio Santo Agostinho. Também por isso o meu espanto, e minhas dúvidas, sobre o ocorrido. Ainda que meus filhos aí não venham a estudar, certamente muitos vizinhos, amiguinhos da atual escola e filhos de conhecidos decidirão pelo Colégio Santo Agostinho. Me preocupa o ambiente e a comunidade em que meus filhos viverão, mas não só: me preocupa o tipo de sociedade que estamos gerando se a “elite acadêmica” que costuma (ou costumava, pelo menos) sair do Colégio Santo Agostinho for formada com livros banidos e relativismo a respeito da história e dos direitos humanos. Encerro lembrando o óbvio: democracia e liberdade, ditadura e tortura não são temas de direita ou esquerda, mas valores que deveríamos consagrar e, de outro lado, práticas que deveríamos abominar em absoluto, sem relativismos, concessões ou exceções. Espero, sinceramente, pelo futuro dos meus filhos, que essa seja a postura do Colégio Santo Agostinho.

No aguardo das informações.”

Acredito que o episódio venha a ser bem esclarecido e os temores que ecoam outros tantos dos dias atuais, dissipados. Infelizmente, como ressalvou aquele economista que o candidato líder das pesquisas na eleição presidencial aponta como seu hipotético ministro da Fazenda, ao responder sobre sua crença no compromisso do candidato com a democracia, “posso estar errado”.

* Procurador do Ministério Público do Trabalho