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O desafio do segundo turno

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Como sofremos! A semana anterior ao primeiro turno trouxe reversão brutal das expectativas, que culminou na onda do domingo, 7. Bolsonaro abriu ao longo da semana uma vantagem de 2 a 0 sobre Haddad. No domingo, a bola bateu na trave, mas não entrou. O que vimos não foi uma onda de direita ou conservadora. Foi uma onda Bolsonaro, de extrema direita, que arrasou grande parte da direita tradicional. Os seus candidatos à Presidência e a governos de estados foram dizimados. No Congresso, os partidos associados a Temer e ao golpe de 2016 murcharam.

A esquerda também ficou abalada. O impacto foi tão forte que muitos desanimaram e passaram a considerar que as chances de Haddad são remotas ou até inexistentes. Calma! O jogo não acabou. É perfeitamente possível virar o jogo.

Primeiro, o voto útil da direita já migrou maciçamente para Bolsonaro nos últimos dias antes da votação. Era a tentativa de evitar o PT no segundo turno e liquidar a fatura no primeiro. Mas não houve voto útil na esquerda em Haddad. Ciro teve votação respeitável e cresceu um pouco no fim. É agora que os votos dele e de outros candidatos migrarão para Haddad.

Acredito que é possível também, usando o discurso correto, tirar eleitores de Bolsonaro ou levá-los a votar em branco – especialmente pessoas de baixa renda, que já votaram em Lula e no PT no passado, mas que optaram, desorientados, pela falsa novidade do candidato de extrema direita. Tendo em vista a velocidade e a dimensão da subida de Bolsonaro na reta final, é provável que a sua taxa de fidelidade seja agora menor, ou seja, que tenha aumentado o percentual de votos voláteis e reversíveis. Bastaria que 3% dos votos válidos passassem de Bolsonaro para Haddad para levar os dois candidatos a empatar em 43%. Isso, claro, se a transferência de Ciro alcançar alto índice.

Segundo ponto: por motivos não inteiramente claros, Haddad escapou ileso da onda de extrema direita que vitimou várias lideranças de peso do PT e da esquerda (Dilma, Suplicy, Lindbergh, Requião, entre outros). Ele até cresceu um pouco na reta final.

Terceiro: Haddad tem perfil moderado e é um bom candidato para disputar o segundo turno, ocasião em que os candidatos devem tentar se deslocar para o centro.

Temos trunfos importantes, portanto. Podemos também (Deus ajudando) contar com os erros dos integrantes mais medíocres ou menos experientes do time adversário (fala mais, general Mourão! Fala mais, Paulo Guedes!). Mas o decisivo é jogar bem, agressivamente, com coragem, usando todos os trunfos. O grande trunfo de Haddad continua sendo o ex-presidente Lula, um dos maiores – talvez o maior – líder político da história brasileira. No meu entender, o desafio de Haddad no segundo turno é definir corretamente a sua relação com Lula.

Veja, leitor(a), a complexidade do desafio. Haddad não pode se ofuscar ou se anular perante Lula. Mas não pode, também, tomar distância dele. É uma faca de dois gumes. Só que um dos gumes corta muito mais. A mídia tradicional recomenda, em coro: “Haddad precisa mostrar que é Haddad, a rejeição a Lula é alta, para crescer é preciso ficar mais longe do padrinho político encarcerado” etc.

Canto de sereia. São muitos os méritos do candidato, que tem tudo para ser um grande presidente. Mas os votos são de quem?

Tomar distância de Lula será visto pelo eleitor como ingratidão e levará à perda de apoio e votos. E quem é visceralmente contra Lula não votará em Haddad de qualquer maneira.

Que melhor conselheiro poderia ter Haddad? Lula, para além de todas as suas qualidades, tem vasta e inestimável experiência em disputar ou orientar disputas eleitorais. E ganhou as quatro últimas eleições presidenciais. Haddad não deve reduzir as suas visitas a Curitiba. Humildade e realismo nunca tiraram voto de ninguém.

Uma inflexão na forma de apresentar a relação com Lula é provavelmente recomendável. Haddad fez bela campanha e chegou ao segundo turno em condições adversas, depois de pouquíssimo tempo de campanha. No primeiro turno, para garantir a transferência de votos, o lema foi “Haddad é Lula”. No segundo, o lema não deve ser “Haddad é Haddad”, mas sim “Lula é Haddad”. Diferença sutil. Lula passa para o início da frase, mas Haddad ocupa o seu centro. Inflexão, não cavalo de pau.

* Economista