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Uma frente democrática, já. Ou o fascismo

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“Estou com muito medo”, escreveu no WhatsApp uma amiga, ao final de uma troca de mensagens entre integrantes de um grupo que se conheceu nos idos de 60 do século que passou, nos bancos da antiga Faculdade Nacional de Filosofia, Ela se referia ao que uma outra participante havia definido com a imagem de um “polvo gigantesco” que ocupou a cena política brasileira, agitando os seus tentáculos. Os ameaçados somos cada um de nós, individualmente, em nossa liberdade de ir, vir e pensar, e o sistema democrático garantido pela Constituição de 1988, que nos une. Em meio a esse temor que se espalha, uma parte da população parece indiferente. Segue a sua rotina e finge não perceber as reiteradas ameaças do capitão presidenciável, em sua marcha para o fascismo.

Antes de encerrar aquela troca de mensagens carregada de sobressaltos, dois outros participantes deram seus pitacos. Um tentou consolar: “Não fica com medo, não, isso vai passar. A ditadura de 1964 não passou?” O outro manifestou seu cansaço pela trágica repetição da história, que nada tem de farsesca: “Pois é, já estou de saco cheio. Não temos mais idade nem saúde para enfrentar uma nova ditadura. Pior é que vamos deixar esse horror para os nossos netos”.

O medo saiu dos divãs e foi para as ruas, os colégios, os locais de trabalho. Um medo físico, agravado pelas ameaças explícitas de vingança deixadas pelos fanáticos seguidores do capitão: “Aproveitem até o dia 28”. Entre os alvos, políticos de partidos de esquerda, militantes de movimentos sociais, grupos de negros, mulheres e gays. Um movimento de caráter macarthista, de caça às bruxas; tal qual o executado pelas brigadas fascistas na Alemanha hitlerista.

Está claro que o país está vivendo um dos momentos mais decisivos e dramáticos de sua história. O que exige de todos protagonistas, partidos, líderes políticos e empresariais, mídia e entidades da sociedade civil comprometidos com a democracia, decisões rápidas e ousadas, capazes de mudar o panorama do segundo turno. Com um discurso racista, violento e conservador, que faz o elogio da tortura e da ditadura, o furacão de extrema direita caminha para se legitimar pelo voto. O que pode se constituir num retrocesso degradante, um verdadeiro ato de suicídio da sociedade, incapaz de se defender de uma ameaça extremista.

Em 1964 foram as tropas militares que ocuparam as ruas, com o apoio de marchas da família com Deus pela democracia, embaladas pelo perigo comunista. Parte do arsenal da guerra fria, a ameaça comunista se esfumaçou no tempo, ainda que usada na guerra psicológica atual. Lula e o PT têm responsabilidade na criação deste cenário radical de extremos, que adubou o ódio que transbordou para uma eleição fortemente contaminada pelo sentimento antipolítico e antipetista, maiores do que se imaginava. Sem os votos do Nordeste, o barco teria afundado e a eleição decidida no primeiro turno.

O que está em jogo no segundo turno transcende o petismo e disputas entre os partidos. Está em questão a preservação de valores democráticos conquistados com sangue e lagrimas nos últimos 50 anos. A hora é de formação de uma frente democrática, já. Não basta mudar as cores das bandeiras e afastar-se de Curitiba. A insistência de Lula em bancar uma candidatura própria, desconsiderando a enorme rejeição do PT, mostrou que o senador Jaques Wagner estava certo. Reeleito pela Bahia, Wagner defendeu uma chapa com Ciro Gomes na cabeça e Haddad de vice, com ampla possibilidade de vitória.

Cabe agora a Fernando Haddad, com os seus 31 milhões de votos, a responsabilidade de liderar a formação de uma ampla frente democrática, negociando um programa de governo com o PDT de Ciro e outros partidos e personalidades de centro-esquerda, o que inclui FHC e Marina, sem preconceitos. Com uma proposta que traga esperança e não ódio para os eleitores, atraindo os que anularam ou votaram em branco e o grande contingente de indecisos, que ainda não se deu conta do que será viver sob um regime ditatorial.

Em momentos dramáticos da História neste último século, a formação de frentes e coligações entre partidos alinhados do centro à esquerda foi decisiva para barrar ameaças extremistas. A pioneira Frente Popular, liderada por Léon Blum no período de entre-guerras na França. A Frente Popular na Espanha, que ganhou as eleições de 1936 e se manteve no governo até o fim da guerra civil. A Frente Popular do Chile, uma coligação entre comunistas, socialistas e radicais. E a Frente Ampla do Uruguai, integrada por partidos políticos e organizações da sociedade civil. Elegeu Tabaré Vásquez para presidente, sucedido por José Pepe Mujica e em 2014 novamente Vasques. Resultou no discreto milagre da esquerda uruguaia, com 15 anos de crescimento ininterrupto.

* Jornalista e escritor