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O pleito da crise

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Observadores da eleição presidencial brasileira chegaram à conclusão curiosa: não haverá impeachment no próximo mandato presidencial. Os vices dos dois principais candidatos apresentam currículos, digamos, tão heterodoxos e estranhos à realidade política que ninguém será capaz de propor a medida heroica, mesmo que o governo se revele um completo desastre. É a certeza baseada no medo. Manu, presidente da República, significa um mergulho em mar revolto com sérias consequências institucionais. O mesmo raciocínio se aplica ao ínclito general Mourão. Melhor que eles fiquem longe da cadeira presidencial.

Se as pesquisas estiverem certas, Bolsonaro e Haddad deverão chegar ao segundo turno. Qualquer dos dois tem chance de vencer. Mas eleição é momento. Governar é outra fase, completamente diferente. Quando um ou outro descer do palanque vitorioso terá que falar a todos os brasileiros. Não apenas aos que sufragaram seu nome na urna. Isso significa ter projeto de governo claro, definido e objetivo. Hoje, segundo o noticiário disponível, não há projeto ou sequer uma indicação de caminho.

Um ou outro terá que negociar com o Congresso para aprovar as reformas necessárias. Os economistas não cansam de afirmar que as contas da Previdência Social precisam ser urgentemente reduzidas. A reforma se faz necessária. Isto implica em conversar com o Congresso. A crise é, essencialmente, política. Bolsonaro é um enigma. Seu principal assessor, Paulo Guedes, segue a Escola de Chicago na economia. Extremamente liberal. Ele já disse que pretende privatizar quase todas as empresas estatais. Seu chefe, contudo, diz que não é bem assim.

Haddad não é um extremista. Ao contrário, é pessoa de conversa fácil. Transita bem em diferentes segmentos. Mas o comando do Partido dos Trabalhadores não gosta de sair de sua linha populista, autoritária e hegemônica. Dilma Rousseff aprendeu esta lição quando nomeou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. O ministro caminhava para um lado, e o governo para o outro. Foi um tempo perdido e desgaste para os dois lados. O fracasso de Levy colocou a presidente na beira do abismo. A intransigência do PT ajudou o impeachment.

Armadilha inesperada foi armada nesta campanha presidencial. Os dois candidatos que estão em primeiro e segundo lugares perdem, de acordo com as pesquisas, para o terceiro e quarto colocados num eventual segundo turno. Alckmin e Ciro perdem no primeiro turno. Mas ganham no segundo. É uma sinuca de bico, que proporciona o voto útil. Por essa razão, os números de Ciro Gomes e Geraldo Alckmin desabaram, na última semana.

A campanha do PT começou na realidade quando Lula foi preso pela Polícia Federal. O ex-presidente pulou na trincheira do Sindicato dos Metalúrgicos em São Paulo. Foi manchete dos jornais na semana toda. Depois, o partido organizou acampamento na porta da Polícia Federal em Curitiba. Realizou agressiva campanha nas redes sociais no Brasil e no exterior. O partido mobilizou até amigos nas Nações Unidas, em Nova York, para defender o ex-presidente. Haddad teve que pedir bênção para colocar a sua campanha na rua. Ele é o outro nome de Lula.

Bolsonaro foi vítima de um atentado a faca. Quase morreu. Isso aconteceu no dia 6 de setembro. Desde então sua campanha foi baseada no noticiário sobre recuperação no hospital em São Paulo. A tentativa de assassinato fez com que o candidato fosse conhecido pelos brasileiros. O noticiário o colocou em tremenda evidência no último mês. A armadilha é esta. Os candidatos que podem vencer no segundo turno a ele não devem chegar. O eleitor, portanto, está sendo convidado a votar naquilo que não quer. O antipetismo enfrenta Haddad. No segundo turno, eles estão tecnicamente empatados. O eleitor está convocado a eleger uma tremenda e profunda crise.

* Jornalista