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Ao mestre, com carinho

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Há alguns anos, prezado leitor, melhor estarias: Paulo Casé tinha muito mais a dizer em sua coluna semanal do que este arquiteto que ora frequenta as páginas do JB.
Infelizmente, o mestre de tantos arquitetos cariocas foi definir espaços em outras dimensões.
Estava entre os maiores e, sempre que me pedem para indicar projetos que aprecio, cito várias de suas obras. Quando lhe chamo mestre, não o restrinjo à condição de professor, o que, de fato, foi, mas também por seu escritório, verdadeira escola, em que além de se participar de criações notáveis, se era levado a treinar determinada caligrafia, em uma época – pasmem crianças – em que se desenhavam projetos à mão, e a “Letra Casé”, como era chamada, se disseminou.
Com ele, penso eu, segue um período da história do Rio marcado pela transferência da capital para Brasília e pelo surgimento da primeira geração de arquitetos cariocas – Conde, Índio, os Menescal, os Musa... – que sucedeu aquela que marcou o apogeu do modernismo – além de Lúcio e Oscar – Reidy, Jorge Moreira, Marcos Konder... Os MMM Roberto, por serem três, circularam nas duas gerações, com obras que vão da ABI à ABL.
Claro que há outros que aí se inserem: Bernardes, Mindlin, Pontual, mas que, embora produzindo no Rio, têm uma levada menos carioca. Ou mesmo Zanini, que não sendo arquiteto, fazia casas como objetos.
Tenho dito, contudo, que naquele contexto o Rio entrou em processo de retração e retraimento e temo afirmar que aquela geração, mesmo sem ultrapassar as fronteiras pátrias, como a anterior, terá sido a última fornada carioca a se distinguir nacionalmente. Apertem os cintos, o cliente sumiu, aliás, se mudou para São Paulo.
Casé, como boa parte dessa turma, se forma na década de 50, ele próprio em 56, e quem sabe terá assistido ao lendário show de Bossa Nova, sintomaticamente, na Faculdade Nacional de Arquitetura, ainda na Praia Vermelha, no fatídico ano de 1960.
A efervescência cultural na cidade era grande, repercutindo, por certo, o que acontecia no país. Afinal, capitalidade é isso: a cidade que representa toda a nação, que transmite não só sua imagem, mas sua identidade, e o Rio foi magistral em se utilizar de sua geografia, música, cinema e... arquitetura para mostrar o Brasil ao mundo.
Ainda agora, Casé transmitia esse clima de vento do mar em meu rosto, que combinava tão bem arquitetura e Bossa Nova, tão Valsa de Uma Cidade.
Clima que o JB tinha como marca e, já pelos anos 90, apresentou, se não posso assegurar que tenha sido a primeira, mas importante contribuição de um arquiteto à grande imprensa não especializada no país.
Casé propôs até um simpático jogo – o “Olho Vivo”, que incentivava os leitores a percorrerem o Centro do Rio, identificando detalhes de construções. Era interessante encontrar inúmeros grupos circulando nos fins de semana, em ruas normalmente desertas, procurando prédios e monumentos para concorrerem a uma viagem a Roma.
Eu próprio, um dos muitos que lotaram a sede do Instituto de Arquitetos do Brasil, o IAB, do qual, aliás, Casé foi presidente, na noite do sorteio do vencedor, lhe escrevi uma carta que, por gozação, encaminhava um pé de sapato gasto, prova do memorável esforço, que uma pessoa querida, que me acompanhara naquele périplo, achou por bem enviá-lo. Com bom humor, Casé, exibindo-o, leu a mensagem, pela qual agradecíamos a oportunidade de brincar com o Rio e de haver aprendido que era preciso bem mais do que boca para se ir a Roma.
Não fui sorteado, mas participar foi um prêmio.
Mestre! Esbarrando com o Arquiteto Supremo, dá uma força pro teu Rio.
Pelas pesquisas que nos chegam, só com reza forte.

* Arquiteto, urbanista DsC

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