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A hora e a vez da gestão pública nos estados

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Muitos têm criticado o impacto no governo federal do suposto socorro financeiro aos estados e municípios, que alcançaria a cifra de R$ 90 bilhões. Porém é importante lembrar que não se trata propriamente de um “socorro”. Trata-se de suspensão temporária do pagamento da dívida com a União, que foi renegociada no fim dos anos 1990 e aplicou juros de correção e mora que aumentaram sobremaneira os encargos assumidos pelos estados e municípios. O atual Regime de Recuperação Fiscal não modifica esse cenário. Ao contrário, os juros e correção continuam a incidir, e o montante da dívida aumentará ao fim da vigência do RRF.

O debate de fundo é o pacto federativo. Há um desequilíbrio federativo, primeiro porque os entes subnacionais aparecem mais como executores das decisões tomadas em âmbito federal, influindo pouco nas políticas públicas federais impostas a estados e municípios. Em segundo lugar, a Constituição de 1988 designou competências exclusivas para os governos municipais e federal, mas para os estados deixou apenas a competência administrativa residual. Em terceiro lugar, o Brasil adotou um modelo de federalismo simétrico em uma federação assimétrica. Há diferenças nas capacidades dos governos subnacionais de implementarem políticas públicas, dadas as enormes desigualdades financeiras, técnicas e de gestão existentes. Esse abismo se torna ainda mais evidente na situação atual, em que os estados arcam com pesadas dívidas assumidas com a União – em particular o Estado do Rio de Janeiro, que assumiu as dívidas necessárias para financiar as obras para realização das Olimpíadas e da Copa.

Para o novo governo que se iniciará em 2019, além desse desafio haverá também a necessidade de se estreitar o diálogo com a União a fim de renegociar o RRF e o ressarcimento devido em razão da Lei Kandir. Também está colocada a tarefa de se repensar o papel do estado na federação, especialmente no tocante às suas competências e receitas. Ainda, é fundamental debater um novo modelo para o Fundo de Participação dos Estados e Municípios, que englobe outras variáveis; e o método de pagamento do ICMS do petróleo. Por fim, espera-se uma reforma tributária em que a coordenação e mediação das isenções fiscais evite a guerra fiscal e não prejudique os estados.

Os estados não são um “estorvo” para a União, que precisa “socorrê-los”. São os entes federados responsáveis por prover importantes serviços e políticas públicas para a população, como saúde, educação, proteção ao ambiente, assistência social e segurança pública. Quase todas essas atividades são altamente intensivas em mão de obra. A despeito do que se divulga na imprensa, o Rio de Janeiro não possui um número excessivo de servidores públicos. Segundo dados da ESTADIC 2017, 1,7% da população com 18 anos ou mais está ocupada na Administração Direta e Indireta, abaixo da média nacional, de 2,0%. Porém, a questão fundamental não é o número de servidores que o estado possui, e sim o fato de que essas políticas públicas não podem ser prestadas com qualidade sem investimento em gestão pública.

Gestão é um termo guarda-chuva que acaba abrangendo muita coisa. Quando nos referimos à gestão pública, fazemos referência às funções exercidas para que a máquina pública funcione, como planejamento, orçamento, logística, patrimônio, gestão de pessoas e compras públicas. Além das capacidades necessárias para que as políticas públicas existam e completem seu ciclo, desde a entrada de um tema na agenda pública até a etapa de avaliação, passando pelas fases de formulação, elaboração, implementação, execução e monitoramento. Se essas tarefas não forem tidas como prioritárias pelo próximo governante, o estado não conseguirá sair da crise em que se encontra.

São urgentes as medidas para a revitalização da gestão pública estadual. Não apenas a estruturação e fortalecimento da burocracia pública e das carreiras que atuam mais intensamente no ciclo de gestão, mas também é fundamental que sejam discutidas como se constroem políticas públicas efetivas, uma gestão pública ágil e um governo aberto. Essa discussão encontra-se mais detalhada no PlanejaRio, que é uma iniciativa dos gestores públicos estaduais e que pode ser conferida no site da GestRio. Afinal só é possível fazer mais com menos se houver gestão governamental de qualidade. Mais do que nunca, isso será necessário para que o Estado do Rio de Janeiro saia da crise em que se encontra.

* Secretaria Colegiada da GestRio (Associação dos Gestores Públicos do Estado do Rio de Janeiro)

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