BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Lindalva manda um áudio para as outras famílias de mortos e desaparecidos: “Eu perdi meu filho. Ele se chamava Luiz Paulo. O corpo foi encontrado no dia 27 de fevereiro. Eu tenho mais dois filhos. A gente tem que tentar ir levando a vida. Pedindo a Deus força”.
Maria, cujo irmão também morreu, lamenta em outra gravação: “A gente está tanto exigindo e até hoje não deu em nada. É como diz um rapaz lá no Facebook, esses deputados, esses governadores, são igual lenda, de quatro em quatro anos aparecem. E agora onde eles estão?”
Cinco meses após o rompimento da Mina do Feijão, em Brumadinho (MG), completados nesta terça (25), os parentes dos 246 mortos e 24 desaparecidos trocam entre si, em redes sociais e aplicativos de celular, mensagens de dor e saudade e manifestam dúvidas sobre seu futuro.
Passada a primeira onda de choque, surgiram os sinais de desesperança e angústia.
“Agora que está caindo a ficha. A mente das pessoas... Está todo mundo zoado [confuso]. Quem já era propício para o álcool está buscando o socorro na bebida. Estamos preocupados com notícias de pessoas que estão falando em suicídio”, disse Luciano Lopes, vice-presidente da associação dos moradores do Córrego do Feijão.
Ele afirma que obras como reformas de prédios públicos e um novo campo de futebol, que poderiam mudar a cara do Córrego e injetar ânimo na comunidade de 580 moradores, não saíram do papel.
Nas conversas, os familiares chamam seus entes queridos de “joias”. Joias que se perderam, joias que precisam ser encontradas, orações para as joias. Em datas festivas, como o Dia das Mães, a pressão beira o insuportável. As famílias compartilham emojis de choro e corações partidos.
“Qualquer notícia que vem desse massacre é tristeza. Muitos corações partidos. Tá chegando o Dia das Mães, para nós sem nada para comemorar. Para os filhos também, que ficaram sem suas mães. Deus, tem misericórdia de nós”, escreveu uma mulher.
“Nós nos tornamos uma família, uma família de dor, como a gente fala”, disse Josiane Melo, que perdeu uma irmã e integra um grupo dedicado a cobrar autoridades a respeito das 24 pessoas que ainda estão desaparecidas.
Josiane já achou o corpo da irmã, mas continua atrás dos outros. De acordo com ela, há cerca de 200 fragmentos humanos à espera de análise laboratorial no IML (Instituto Médico Legal) de Belo Horizonte.
Vanderlei Caetano, que perdeu o irmão Luiz e o primo Francis Erick, ambos mecânicos com 31 anos e amigos inseparáveis (os dois fizeram os respectivos casamentos no mesmo dia, em dezembro), disse que as famílias se sentem abandonadas e que as promessas de atendimento médico e psicológico estão aquém do necessário.
Ele é filho de Lindalva, 60, que, afirma, chora todos os dias a perda de Luiz. Vanderlei diminui a saudade do irmão ao ouvir de quando em quando as mensagens que ele deixou em áudios de aplicativo.
“Pelo que tenho visto, a angústia só aumentou. Ouvi em um grupo uma moça falando em suicídio. Nós ficamos muito revoltados, não podemos ficar abandonados, como estão fazendo com a gente.”
O engenheiro Vagner Diniz perdeu dois enteados, a nora e o neto ainda no ventre da mãe. Ele disse que as famílias dos mortos e desaparecidos se organizam em grupos, discutem estratégias e fazem um ato público todo dia 25 de cada mês “para que o crime de Brumadinho não caia no esquecimento”.
“A primeira angústia que abate todo mundo é o fato de ainda ter desaparecidos. A gente acha que há demora na identificação por DNA por fragmentos que estão no IML. E a situação emocional dos familiares é muito ruim. As pessoas estão sem rumo, sem saber o que vão fazer no futuro”, afirma. “Um corte desses na sua vida é um buraco que você não vê como preencher. Não tem nada que substitua.”
A família do engenheiro moveu contra a Vale uma ação reparatória de danos morais, ainda em fase de instrução.
Além da reparação econômica, quer que a mineradora instale em todos os escritórios da empresa uma fotografia dos quatro mortos de 1,5 m x 80 cm com um pedido de desculpas.
Além disso, exige que o presidente da assembleia de acionistas da Vale abra as reuniões nos próximos 20 anos com os dizeres: “A vida vale mais do que o lucro. Camila, Fernanda, Lorenzo e Luiz, desculpem-nos por tirar-lhes as suas vidas. Peço um minuto de silêncio em respeito aos mortos de Brumadinho, convidando todos a ficarem em pé”.
A exigência de que os acionistas fiquem em pé é a resposta da família ao fato de o então presidente da Vale, Fábio Schvartsman, ter ficado sentado durante um minuto de silêncio pelas vítimas em audiência pública na Câmara dos Deputados, em fevereiro.
Pesa também a alteração brutal do ambiente, que agora projeta uma sombra sobre os moradores do Córrego.
“Onde você olhava uma paisagem bonita da Mata Atlântica, hoje só vê lama. Parece que o luto não vai acabar nunca”, diz Luciano Lopes. “Já se passaram tantas noites mas para nós só passou uma noite.”
OUTRO LADO
Em nota encaminhada à reportagem, a Vale afirmou que “está focada em executar obras de reparação de toda a área atingida em Brumadinho” e que os projetos “encontram-se em fase de execução, de elaboração e de negociação com órgãos competentes e a comunidade local”.
“A Vale vem mantendo diálogo permanente com a sociedade e reforça o seu compromisso em atender às demandas apresentadas de forma célere, sempre em acordo com as partes interessadas, e de informar à comunidade quando as obras estiverem definidas e prontas para serem entregues”, afirma a empresa.
De acordo coma a empresa, o atendimento psicológico aos moradores de Brumadinho e Córrego do Feijão está sendo realizado pela Secretaria Municipal de Saúde com o apoio da Vale.
Para tanto, foi assinado em fevereiro um termo de cooperação com aporte de R$ 2,6 milhões para contratações —a empresa cita 142 novos servidores públicos— e equipamentos, além de transporte para as equipes e imóveis para o atendimento. A capacitação é feita pela prefeitura.
Quanto às indenizações, a Vale diz que 92,5 mil moradores receberam valores emergenciais e que foram assinados 192 acordos preliminares trabalhistas com representantes de empregados mortos e desaparecidos, além de 49 acordos por danos materiais e morais. Indagada sobre os valores envolvidos, a empresa não os revelou.
Procurado por meio da assessoria da Polícia Civil de Minas Gerais, o Instituto Médico Legal de Belo Horizonte (MG) não se manifestou até a conclusão desta reportagem.