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Moradores protestam contra a Vale durante simulado de rompimento de barragem em MG

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Nariz de palhaço, faixas perguntando "Quanto Vale o silêncio?" e gritos de "a Vale mata bicho, mata rio e mata gente". Um grupo de moradores de Barão de Cocais (MG), a cerca de 100 km de Belo Horizonte, resolveu usar o simulado de treinamento para rompimento de barragem, neste sábado (18), para protestar contra a empresa.
"A sensação da comunidade é que a gente está sendo feito de palhaço pela Vale. A gente não tem resposta, a gente não sabe o que está acontecendo, é o segundo simulado que a gente faz. Sempre falam que a gente está bem, que tudo vai dar certo, mas como ter segurança disso?", diz Maxwell Felipe de Andrade, 31, um dos manifestantes.
O primeiro simulado foi realizado pela Defesa Civil de Minas Gerais no final de março, quando o nível de risco de rompimento da barragem Sul Superior, na mina Gongo Soco da Vale, foi aumentado para 3 (ruptura iminente ou ocorrendo).
Na época, a prefeitura da cidade chegou a decretar feriado municipal para incentivar a participação dos moradores –60% deles apareceram. Neste sábado, a participação foi ainda menor, contrariando a expectativa da Defesa Civil. Das 6.054 pessoas que eram esperadas, apenas 1.625 apareceram –o equivalente a 26,5%.
"O número é baixo, sim, só que a mobilidade na cidade foi alta. Isso traz uma sensação de satisfação de que atingimos os objetivos. Várias pessoas foram indagadas do porquê não estavam se deslocando para o ponto de fuga, e respondiam que já conheciam a rota", diz o Tenente Coronel Flávio Godinho.
O tempo de deslocamento das pessoas aumentou em relação ao simulado anterior. Em março, toda a área foi evacuada em 32 minutos, desta vez, foram necessários 43 minutos. As reclamações sobre o volume baixo dos carros de som, que devem anunciar o rompimento, voltaram a se repetir. Trinta e oito pessoas precisaram de atendimento psicossocial e uma mulher de 32 anos tentou suicídio.
O treinamento é feito com moradores da chamada zona secundária - onde a lama levaria 1h12 minutos para chegar. –mostrando rotas de fuga, pontos de encontro, como devem sair de suas casas em segurança. Cerca de 440 moradores da zona de autossalvamento –a primeira a ser atingida em um rompimento– foram retirados das casas no dia 8 de fevereiro.
Nos últimos dias, houve registro de movimentação de um talude, na parte de trás da barragem Sul Superior. A preocupação é que o escorregamento dele para dentro da cava da mina possa servir de gatilho para a barragem e causar seu rompimento.
Por meio de nota, a Vale afirma que "não há elementos técnicos" para afirmar que a queda do talude "desencadeará gatilho para a ruptura da Barragem Sul Superior".
A estrutura está paralisada desde 2016. Em um documento divulgado pela Promotoria de Minas Gerais, na última quinta (16), porém, a mineradora estima que um eventual rompimento da barragem poderia ocorrer a partir deste domingo.
No documento, a Vale diz que, caso se mantenha a velocidade de movimentação do talude, a ruptura "poderá ocorrer no período de 19 a 25 de maio de 2019, gerando vibração que poderá ocasionar a liquefação da Barragem Sul Superior e sua consequente ruptura".
Godinho confirmou a informação a jornalistas. A Defesa Civil está monitorando 24 horas a situação da estrutura, com leituras e relatórios encaminhados pela Vale.
"A gente trabalha com ações para que, se isso ocorrer, e realmente possa interferir na barragem e ela romper, termos condições de fazer o socorro. A equipe da Defesa Civil permanece na cidade", afirma ele.
Nesta sexta, a juíza Fernanda Chaves Carreira Machado, da comarca de Barão de Cocais, determinou multa de R$ 300 milhões caso a Vale não apresente em até 72 horas um novo estudo de "dam break", com os impactos do rompimento completo do talude norte e sul da barragem de Gongo Soco.
Para quem vive na zona secundária de Barão de Cocais e não precisou deixar a casa, a vida também mudou desde o dia 8 de fevereiro, quando a barragem foi colocada em nível de risco 2.
"Estamos simplesmente nos arrastando ao longo dos dias. A gente está passando a noite em claro e vai continuar. Temos, pelo menos, mais uma semana de sofrimento", diz Maxwell, se referindo a previsão que o rompimento aconteça nos próximos dias.
Ele, a esposa e o filho de um ano vivem em uma casa à beira do rio São João. Maxwell, que foi voluntário da Defesa Civil no primeiro simulado, conta que o Fórum e uma escola que ficavam próximos à sua casa já foram retirados do local. "Eu pergunto: esses locais tem que ser removidos e nós, como ribeirinhos, temos que permanecer em risco?".
Ana Rita de Souza, 33, foi uma das moradoras da comunidade de Socorro que teve que deixar a casa às pressas na madrugada do dia 8 de fevereiro. O carro da família ficou para trás, junto com outros pertences.
Ela, o marido e os dois filhos passaram a viver em hotéis pagos pela Vale. Só no começo de abril é que se mudaram para uma casa alugada temporariamente pela mineradora.
"O clima agora é de pesadelo. Parece que a gente está voltando para aquele dia 8, enquanto a está tentando fazer com que a vida se encaminhe. A gente fica meio triste, porque sabemos que temos as coisas lá, nossa história toda, e que tudo pode se acabar em poucas horas", diz.

 

FERNANDA CANOFRE