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Hamilton Mourão: 'Não sou um complicador'

Vice diz que país não deve ceder a Pacto de Migração sob pena de receber um 'bando' de imigrantes

Evaristo Sa/AFP -
Mourão: 'Se a gente assina um tratado dessa natureza, esse bando vem bater aqui sem nós termos condições de receber'
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Em pouco mais de duas semanas, os dois dos mais altos cargos da política brasileira serão assumidos pelos militares Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Num país que já viu oito vice-presidentes ascenderem ao posto de presidente de República, a figura do 02, como se diz no jargão militar, ganhou relevância. Tanto que na campanha eleitoral de 2018, todos as chapas que concorreram ao cargo escolheram criteriosamente o vice. O general de Quatro Estrelas Hamilton Mourão, o terceiro nome na lista de Jair Bolsonaro já deu claras demonstrações que não vai ser figura decorativa no próximo governo. No entanto, refuta qualquer interpretação de que haja conflito com o colega de chapa. “Eu quero atuar como facilitador para o presidente e não como complicador”, adverte ele nesta entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil. Uma das áreas em que pretende “facilitar” é a internacional. São constantes a visita de embaixadores e empresários ao seu gabinete, na transição. Preocupado o tema da migração, Mourão afirma ser favorável à desassociação do Brasil do Pacto Global pela Migração das Nações Unidas, como propõe o futuro chanceler Ernesto Araújo. “Se a gente assina um tratado dessa natureza, esse bando vem bater aqui sem nós termos condições de receber”, diz ao defender que a política de migração é estratégica.

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Mourão: 'Se a gente assina um tratado dessa natureza, esse bando vem bater aqui sem nós termos condições de receber' (Foto: Evaristo Sa/AFP)

Jornal do Brasil - O senhor chegou a divulgar um “centro de governo”, que estaria sob o seu comando, para coordenar as atividades interministeriais. O que deu errado na composição do ministério que acabou tirando essa atribuição das suas mãos?

Na realidade o presidente optou por manter essas atividades nas mãos tanto do ministro Onyx [Lorenzoni, da Casa Civil] Quanto do ministro Santos Cruz [da Secretaria de Governo]. O presidente. Ele considerou que eu tenho que ficar mais livre para outras tarefas que ele possa necessitar.

Ficar a postos não é exatamente o seu perfil. Na transição o sr. tem recebido muitas pessoas, empresários, embaixadores, por exemplo. Como será a partir de 2019?

Eu quero atuar como facilitador para o presidente e não como complicador. Alguém que em determinadas atividades passa os primeiros contatos, transmita as ideias do presidente, seja com área internacional, seja com nossa área interna, de modo que facilite o trabalho dele. Ao mesmo tempo quero estar em condições de apoiá-lo no que for necessário.

Na área internacional, o sr. teve uma postura ponderada em relação à transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. Mas Eduardo Bolsonaro falou que a mudança é uma questão de timing. Não tem mais jeito?

Essa é uma questão que será discutida. O presidente ainda não tomou essa decisão. Obviamente ele tem uma opinião a respeito, mas na hora de tomar uma decisão, vai ter que se reunir com ministros do setor de relações exteriores, o da Defesa, o da Economia. O grupo tem que sentar e cada um apresentar as suas opiniões e suas observações para ele tome a sua decisão depois de ouvir todo mundo.

A sua posição é manter a embaixada em Tel Aviv.

Eu penso que o ideal é a manutenção da embaixada em Tel Aviv até que me convençam do contrário. Agora, uma vez tomada a decisão do presidente, ela é nossa.

Como o sr. vê o anuncio feito pelo futuro ministro das Relações Externas, Ernesto Araújo, de que o Brasil sairá do Pacto Global de Migração, da ONU, assinado na semana passada. O senhor concorda?

Eu acho que o embaixador tem razão. Aquele é um acordo coletivo. A gente não pode entrar em acordo coletivo dessa natureza, com a quantidade de países que estão ali. Até porque nós precisamos ver como é que os outros países olham para o Brasil. O país tem um espaço vital enorme aberto, vazio, desocupado. Muitas vezes, essas nações, pressionadas pelo enorme número de imigrantes, podem chegar à conclusão de que podem descarregar tudo isso no Brasil. Esse será um problema sério para nós.

Qual seria a política de migração ideal?

A política normal, como nós temos hoje. O grande problema do acordo da ONU é que o país que receber o imigrante não pode rapidamente expulsar pessoas ou se negar a receber. Nós temos que olhar com calma para a questão da migração. Nós estamos vivendo um momento de transição no mundo. Muitos lugares estão com as fontes de energia e as fontes de alimentação se esgotando. Por exemplo, essa turma que sai do norte da África e se atira no Mar Mediterrâneo para chegar nas costas da Europa, está fugindo da intempérie, do clima que está cada vez pior naquela região provocando falta de comida e falta de segurança. As nações europeias também não estão a fim de receber esse povo. Se a gente assina um tratado dessa natureza, esse bando vem bater aqui sem nós termos condições de receber. Nós já temos nossos 13 milhões de desempregados e vão trazer esse povo para cá. Nós teríamos melhores condições de receber imigrantes a partir do momento em que nós estivermos com a nossa economia funcionando a pleno, o nosso problema de desemprego resolvido. Aí teríamos condições de receber mão de obra excedente.

As instituições que lidam com tema dizem que o Brasil seria prejudicado porque tem muito mais brasileiro no exterior do que estrangeiros no Brasil.

Pessoas que falam isso não tem uma visão estratégica. Nós temos um espaço vital. Não é qualquer país que tem o espaço que o Brasil e com as condições de ser ocupado, contando com água, com fonte de energia. Não assinar é estratégico para o Brasil.

Há quem diga que o Brasil vai ser governado por uma junta militar, o sr. concorda?

Esse é o pensamento anacrônico. A primeira coisa é que Bolsonaro e eu fomos eleitos. Os outros que foram nomeados para o ministério são oficiais da reserva. O general Heleno está na reserva desde 2011. É diferente de pegar alguém da ativa e colocar no Planalto.

Como se deu o processo de escolha dos militares?

A escolha foi feita em cima de nomes que o presidente conhecia e pela reconhecida capacidade dos militares que ele escolheu. Ele indicou tanto os civis quanto os militares pela reconhecida capacidade e conhecimento da área onde foram colocados.

Mas os militares estarão no poder. Isso não é simbólico?

Nós não temos militares no poder. Nós temos dois cidadãos oriundos do meio militar que foram eleitos pela maioria da população democraticamente. Este raciocínio de que tem um militar no poder é um raciocínio preconceituoso.

Ainda repercute os comentários de Carlos Bolsonaro sobre alguém próximo ao pai que desejaria matá-lo. O sr. se sentiu atingido pela acusação?

Não. Eu não me senti atingido. Eu não passo recibo dessas coisas. O que eu posso dizer é: pergunte para ele. Ele é quem tem que responder (a quem se referia).

Essa acusação, saindo do filho do presidente, não mereceria uma investigação?

Eu imagino que isso nada mais foi do que algo que ele resolveu colocar nas redes sociais, um desabafo, talvez. É preciso perguntar para ele o que ele estava pensando naquele momento e se ele tinha alguma pessoa em vista.

O sr. também afirmou que o Bolsonaro corre risco de vida, inclusive por grupos terroristas? Que grupo terrorista teria interesse em assassinar o presidente do Brasil, que não tem histórico de terrorismo?

O serviço de inteligência detectou interesse, possibilidade de atentado patrocinado por terroristas e por organização criminosa do Brasil. Não posso aprofundar mais do que isso.

Como o sr. vê essa presença ostensiva dos filhos do presidente eleito na transição?

É aquela história, os filhos do Bolsonaro são pessoas bem-sucedidas. É um orgulho muito grande para um pai que tem filhos que entraram na mesma atividade dele. Eles foram eleitos. Pode-se até dizer que foram eleitos porque carregam o nome Bolsonaro. Mas se não tivesse também a capacidade deles, não se manteriam. Agora, os Bolsonaro são um núcleo familiar fechado. Eles têm uma simbiose muito grande e o espírito de corpo muito grande. Eles se aproximaram mais ainda depois do atentado que o pai sofreu. Esse episódio amalgamou mais a família. .

O novo governo, que chegou ao poder empunhando a bandeira anticorrupção, já vai assumir sob a desconfiança provocada pelo relatório do Coaf. Qual deve ser a atitude de Bolsonaro, em relação ao caso Queiroz, para que em 1o de janeiro honre a bandeira que empunhou?

É preciso dizer que a pessoa que vai depor no Ministério Público não pertence ao governo. É preciso apurar e, se for o caso, aplicar a pena, em qualquer caso. A lei alcança a todos. A regra que usamos no Exército é essa: apurar e, se for o caso, punir.

Como conciliar a política econômica liberal e a garantia da soberania nacional?

Os EUA são uma economia liberal e nunca perderam a soberania. Os americanos são muito mais patriotas do que nós. Ao ser nacionalista e acreditar no Brasil, eu tenho que buscar o melhor para o país. O melhor para o Brasil na minha visão sempre será a democracia liberal.