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O Rio Gay

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Existe uma fase da vida em que todo mundo se reencontra. É quando se volta da longa viagem intuitiva que se fez dando cabeçadas em busca de uma biografia. Às vezes equivocada. Será?

Vai ver que se não tivesse a primeira parte, aquela em que a gente não se reconhece mais, não passaríamos pra segunda, a outra mais recente, na qual nos identificamos outra vez com a essência diluída pelo ego em vaidades vãs. E como um caleidoscópio que passa a repetir suas próprias possibilidades de combinação, me surpreendo ao rever antigos amigos no tempo de diferentes ideais. Uma espécie de interlace entre passado e presente, como se, por exemplo, os atores da novela das seis, entrassem de repente na trama das oito, numa mistura confusa de cenários.

Começou com um telefonema da Itália, onde morei há mais de vinte anos. “Maria Lucia?” Perguntou uma voz ultra familiar, embora estrangeira. “Sono io, Lamberto”

Aquilo me deu uma alegria tão grande que a casa toda começou a dançar ao som da Mina, cantando “Parole, parole, parole!”

Logo chegou lá em casa, meu amigo, Lamberto, com mais dois italianos e o guia gay do Rio de Janeiro debaixo do braço. Consultei o guia. Impressionante. Se alguém não quiser, não precisa botar o pé num território hétero na cidade.

Começamos  pela praia homo em frente à Farme de Amoedo, em Ipanema, de onde tivemos de sair depois que um “bofe” indiscreto  paquerou o namorado do Lamberto. E entre tapas e beijos fomos comer no quiosque GLS, (gays, lésbicas e simpatizantes) em frente ao Copa.

Adolescentes L sentadas no colo, uma das outras, eram maquiadas por um jovem G, que se movimentava rapidamente, de patins, em frente ao estojo de batons coloridos sob o meu discreto olhar S. Um travesti pobrezinho dublava a Maddona com um vestido menor do que ela e um par de sapatos cujos calcanhares saíam pra fora.

À noite fomos à boate Les Boys dançar música techno até eu olhar em volta e me ver como a única mulher, o que me deu a sensação de estar no filme errado. Saí de mansinho, sozinha, e na ida pro carro, fui abordada por um senhor negro. Pensei: “pronto. É hoje. Quem mandou?”

O cara chegou bem perto de mim e perguntou: “Tá sozinha?” Respondi: “Não, moço. Estou esperando uns amigos. O homem insistiu: “Amigos, nada! Sábado à noite e você está sozinha!”

Consigo enfiar a chave na fechadura do carro e ele segura a porta paralisando minha mão e meu coração. “Sabe por que você está sozinha?”. “Não “. Balbuciei, apavorada. “Por que não está com Jesus.” Diz ele me entregando um santinho escrito: “Jesus te ama” com o endereço da Igreja Universal, enquanto eu quase desmaio no banco do carro. Jesus”