Toda estética é fruto de uma determinada cultura. A cultura popular, a
cultura das famílias ricas, a cultura dos novos ricos que mistura as duas sem
ter consciência disso, e cada cultura tem sua série de seguidores semelhantes que é herdada do berço.
É claro que, de vez em quando, surge um artista e mistura tudo, inventando uma nova maneira de ver, ouvir e perceber o mundo de um jeito ousado e extravagante, e assim a arte vai se modernizando, mas a cultura de classes diferentes é das mais rígidas e segue uma estética específica que passa de pai pra filho, de acordo com a educação.
A maioria das moças que trabalhou lá em casa como empregadas domésticas, tem a sua, que é passada para a casa dos patrões, através de sua maneira de arrumá-la, contrariando toda a estética dos donos dela.
A forma mais comum a todas elas é o jeito de arrumar os objetos enviesados, sejam estes: cinzeiros, candelabros, pratos, jarros de flores e muitos outros que elas têm o cuidado de entortar para diferentes lados em cima de uma mesa grande ou pequena, não interessa. O importante é que cada um se situe mais pro lado direito, mais pro esquerdo. O que não é permitido é deixá-lo reto sem dar o seu tom pessoal onde ele é colocado.
A arrumadeira de Petrópolis consegue até entortar a geladeira, até eu empurrá-la para o centro, outra vez, a empregada voltar e empurrá-la de novo para um lado, como uma bichinha desmunhecando no seu canto. E essa estética desmunhecada serve também para cadeiras que antes, retas nas salas, se encostavam nas paredes, mas, quando entregues à empregada, começam todas a dançar.
Não houve até hoje um pedreiro que trabalhasse lá em casa que não quisesse derrubar a minha mangueira, alegando que ela estraga o meu jardim, apesar de eu explicar que uma das causas que me fez comprar a casa, foi justamente ela, que é linda e me traz sombra e mangas que dou pra toda a vizinhança. Eles olham um para a cara do outro e morrem de rir de mim.
Essa mistura de cultura e estética foi uma das razões que mais me fizeram gostar do filme francês “Intocáveis”, baseado em história verdadeira, pois no seu roteiro inteligente, esses tipos diferentes de culturas e gostos mudam as vidas de um milionário tetraplégico, interpretado pelo ator François Cluzet, supereducado e chique, e a do seu oposto, um rapaz negro e completamente espontâneo, interpretado por Omar Sy, que o salva da depressão em que vivia pelo simples fato de mudar, sem saber, todas as regras às quais o seu patrão tinha sido submetido durante toda a sua vida. Uma delas é carregá-lo no colo, tirando-o da cadeira em que ele vive para transportá-lo, coisa que ninguém jamais tinha feito, por ligarem este fato à falta de respeito.
Os dois opostos, patrão e acompanhante, se tornam amigos através de suas diferentes culturas.
O patrão leva o empregado para assistir a uma ópera de Wagner, cujo cantor, ovacionadíssimo e famoso, chega vestido de árvore, cheio de folhas. O acompanhante olha pra ele e tem um acesso de riso em sua cadeira, que faz com que o teatro se choque olhando pra ele que cada vez gargalha mais.
Depois, no meio de uma reunião de amigos do patrão onde só se ouvia música clássica, o acompanhante põe um reggae no gravador, começa a dançar divinamente e todos os convidados acabam imitando-o e dançando também.
Por fim, o empregado descobre que o patrão tem uma namorada, só por correspondência, pois sua falta de autoestima não o permitia vê-la, pega o número da moça, liga pra ela e combina um encontro dos dois, salvando o tetraplégico de sua vergonha e solidão, pois ele e a moça acabam se apaixonando e casando.
O empregado também aprende muitas coisas com o patrão, o que faz com que ele consiga um ótimo emprego e tornar-se muito bem sucedido na vida pela falta de preconceito de cada um deles que trocaram amigavelmente suas experiências de vida.