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Em defesa da política

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Há por aí uma depreciação da política, uma postura que a desdenha, menospreza e nega. Os autores dessa ofensiva querem fazer crer que a atividade política é, em si, senão quase, a prática da imoralidade e da corrupção, o esconderijo do interesse privado inconfessável, a farsa, a arte de iludir os ingênuos. Quais são as fontes de negação da política democrática? Elencarei três grupos: ideologias e crenças, expectativas e resultados da política e competição política.

No grupo das ideologias e crenças, incluo três fontes de negação da política: duas ideologias, o liberalismo – especialmente o extremado – e o autoritarismo, e as crenças que implicam em alienação política. O liberalismo surge com o propósito de limitar a ação do Estado, em um contexto histórico em que as monarquias absolutistas tinham a prerrogativa de atuar sob os súditos sem se submeter a qualquer coerção jurídica erguida sobre o reconhecimento institucional do cidadão como portador de direitos. Do ponto de vista econômico, o absolutismo era intervencionista, de modo que a versão econômica do liberalismo civil foi o livre mercado e a livre empresa. Assim, o liberalismo surge com medo e aversão do Estado, seja como instituição política autoritária ou como organização que atrapalha as relações e interesses econômicos. Para essa ideologia, o Estado – instituição política por excelência – é um mal, um mal necessário, mas um mal. Esse mal-­estar liberal em relação ao Estado é uma das fontes da negação da política. O autoritarismo vê a política, sobretudo, como força, e menos como legitimidade ou consenso. A ordem é concebida como proveniente da força, sendo a legitimidade de seu uso uma preocupação posterior à primazia da coerção. No auge do autoritarismo militar brasileiro, as forças de sustentação do regime procuram alcançar legitimidade através do milagre econômico. Está no autoritarismo outra fonte de negação da política democrática. Embora pesquisas de opinião atestem que a preferência majoritária da população seja pela democracia, há minorias autoritárias que se esforçam por associá-­la a desordem.

Enquanto as ideologias são formas de pensamento mais sofisticadas  elaboradas, as crenças são aqui consideradas como modos de pensar ou estados psicológicos mais afeitos ao senso comum, que se fazem presentes em algumas subculturas políticas, uma vez que a cultura política, em sociedades complexas, é, na verdade, um conjunto constituído por subconjuntos, embora alguns desses possam impactar mais que outros na socialização política dos cidadãos. As crenças que produzem alienação política são aquelas que não concebem a política como relações que levam à mudança do homem e da sociedade, que veem a política como estranha ao ser humano, como um equívoco ou como algo indiferente. Não raro, alienação e apatia têm íntima relação. A alienação nega a política.

Nas fontes de negação da política provenientes das expectativas e dos efetivos resultados da política governamental, eu incluiria a crise de legitimação. Quando o balanço entre expectativas e resultados é insatisfatório – e não se pode ignorar que as disputas políticas se dão tanto no terreno dos fatos quanto das versões dos fatos, o contexto é propício para a crise de legitimação, que se expressa, entre outros, na crise do sistema representativo, na queda da confiança dos cidadãos nas instituições eleitorais e partidárias, no absenteísmo, na não filiação a partidos políticos e em inúmeras formas de descontentamento com a ação governamental. Fatores como crise econômica, ineficácia do governo, corrupção, entre outros, podem contribuir para a erosão da legitimidade. Nem todo processo de perda de legitimidade se desdobra em negação da política, pois uma parte da energia dos atores insatisfeitos pode se converter em oposição política, mas, nas manifestações de junho de 2013, não faltaram cartazes evidenciando posturas de negação da política e de ações ativas contra a presença de bandeiras partidárias, sindicais e de movimentos sociais organizados. Tais posturas negativas, embora sejam políticas no sentido amplo do termo, podem aparecer na consciência dos atores como apolíticas, não políticas ou antipolíticas. O fato é que a política é uma atividade inerente à sociedade humana. Fazendo uma analogia, a solução para um eventual veto ao ar poluído que se respira não poderia ser a renúncia à função da respiração. Como disse Aristóteles, o homem é um zoon politikon, um animal social e político. E não há como não sê-­lo. Política ou barbárie.

Outra fonte de negação política pode provir da competição política, sendo que a iniciativa, nesses casos, parte da oposição ao governo ou de forças dissidentes no interior da coalizão governamental. A negação da política, então, surge como um discurso oposicionista, fazendo parte de um movimento interessado na alteração do status quo.

Essas fontes de negação da política não são excludentes, podendo se combinar de diversas maneiras, e nem esgotam a problemática aqui levantada. Por outro lado, é confortante saber que, apesar de haver quem negue a política, o que, em alguns casos, faz parte do jogo democrático, com seus acertos e erros, o processo eleitoral brasileiro tem caminhado satisfatoriamente em termos de participação dos cidadãos. A presença nas urnas tem sido muito expressiva. Nesse ano, quase 143 milhões de eleitores estão aptos a votar e novamente mostrar que a democracia é um regime de disputas, de divergências, de construção do consenso e de direito ao dissenso. Vem sendo assim desde a Constituição de 1988. Salve a política democrática, mesmo quando reformas nas regras do jogo sejam necessárias para aprimorá-­la!