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Lero-lero de verão no Rio

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Ninguém usava filtro solar, até porque filtro solar não existia. Muito menos se havia ouvido falar em aquecimento global O s dias andam tão lindos, tão ensolarados, que, se eu pudesse, passaria o dia na praia como toda aquela multidão de turistas, de cariocas desocupados, de estudantes em férias, que passam os dias estendidos nas areias quentes e mergulhando naquele marzão besta, como dizia um mineiro amigo meu.

Dizem que as águas continuam sujas, em alguns pontos, maculadas pela falta de educação de seus frequentadores, que se desfazem de copos plásticos, cascas de coco, restos de sanduíches e coisas muito piores e bem mais fedorentas.

Abafa o caso! Na quinta-feira passada, fui buscar Bela Antonia em casa – no Recreio dos Bandeirantes.

E aí, como andava com muita saudade da Praia da Barra, onde morei por tantos e tantos anos, resolvi esticar o passeio e voltar pela orla. Antes disso, entrei pelos fundos e margeei o Canal de Marapendi, que em tempos idos via da varanda do meu apartamento, assim como via aquele fantástico recorte das montanhas e aquela luminosidade tão diferente, tão característica da Barra da Tijuca. Levei hora e meia pra chegar em casa, no Jardim Botânico, mas valeu. Depois de tantos dias sombrios e tristes, nada como a orla do Rio pra dar um up na gente.

O sol continuou pelo fim de semana e, sempre acompanhada por minha falante e engraçadíssima neta, nos batemos para a casa da mana, em Jacarepaguá. Casa mesmo, de verdade, com mangueira frondosa sombreando o jardim, varanda cheia de samambaias, o pé de manacá se preparando pra florir, a piscina azulzinha...

Tudo de bom. Ali, naquela leseira boa, sem ninguém para fazer cerimônia, chocamos minha sobrinha lembrando os nossos verões da meninice, em Copacabana, ali bem na altura da Rua Constante Ramos. A gente morria de calor, mas era um calor diferente. Ninguém usava filtro solar, até porque filtro solar não existia. Muito menos se havia ouvido falar em aquecimento global.

A garota quase caiu de boca na piscina quando contamos como eram nossas idas à praia – o dia inteiro em adoração ao Rei Sol, sem barraca – e com o que nos lambuzávamos para pegar aquele bronze.

Todo o pessoal da nossa geração usou aquelas misturas imundas de azeite de dendê, com urucum, beterraba e um tantinho de óleo de amêndoas.

Argh!!! Cheirava mal, era uma coisa meio nojenta, mas ninguém abria mão. Houve o tempo também do Rayito de Sol, uma infame pasta bronzeadora fabricada pelos hermanos argentinos, que devem ter faturando horrores, na época.

Pra nós era moamba, só importadoras ou moambeiras particulares, digamos assim, tinham. Pobre mamãe: gastou uma nota preta – ou seria uma nota bronze? – em tubos e tubos do tal Rayito. Depois, veio um tempo de óleo mais sofisticado – e caro, por supuesto.

Foi a era Huile de Chaldée, o Rayito francês. As amigas ricas traziam de viagem e esnobavam as remediadas. Nós aí incluídas, bien sûre. Tanto um quanto o outro tinham que ser muito bem aplicados: se não se espalhasse aquela tintura digna de um xavante muito bem espalhada, a pele manchava toda. A cena, na praia, era aquele bando de adolescentes – meninas, no mais das vezes – uma passando óleo na outra. E os meninos, naquele assanhamento produzido pelos hormônios em fúria, loucos para serem admitidos naquele círculo tão íntimo. Menino passar óleo nas costas das meninas? Só depois de dois meses de namoro, e olhe lá.

Bela Antonia, claro, praticamente já nasceu de filtro solar, ela que veio ao mundo no quentíssimo mês de dezembro. Eu tinha na bolsa – uma especial para praia e que tais – filtro potentíssimo, água termal para borrifar no rosto, batom hidratante para não rachar os lábios, e por aí vai.

No trololó à beira da piscina, passei uma mão de filtro no rosto e cara alegre.

Acordei um camarão. Mas um camarão temperado com Rayito – um bronze bem legal para espantar as tristezas dos últimos dias.