O saxofonista tenor e também especialista do clarinete baixo David Murray, 62 anos, é uma das figuras mais relevantes do panorama do jazz de vanguarda. Desde a década de 1980, quando formou com Julius Hemphill, Hamiet Bluiett e Oliver Lake (depois James Carter) o World Saxophone Quartet - aclamado conjunto sem apoio de seção rítmica, e que gravou 21 álbuns, o último dos quais, Yes, We Can(Jazzwerkstatt), foi lançado em 2011.
A pianista japonesa Aki Takase, 69 anos, radicada em Berlim desde 1988, é dona de técnica e criatividade invejáveis, devidamente exibidas em discos das sofisticadas etiquetas Enja (Alemanha) e Intakt (Suíça). Sobretudo em duos com o também pianista Alexander von Schlippenbach, seu marido, e um dos pioneiros do free jazz europeu.
Em 1991, Murray e Takase gravaram para a Enja, tête-à-tête, o CD Blue Monk, no qual reinventaram a faixa-título e outras peças de Thelonious Monk, e apresentaram três composições por eles escritas para aquela sessão de estúdio em Munique.
E agora, mais de 25 anos depois, a dupla está de volta com o álbum Cherry Sakura (Intakt), registro feito em Zurique, em abril do ano passado, contendo quatro originais da pianista, três do saxofonista, e Let's cool one, inesquecível tema de Monk.
A setlist de mais de 50 minutos começa, de modo sereno, com a faixa-título (9m20), assinada pela pianista. Uma conversação meditativa dos dois músicos desenvolve-se durante uns três minutos, até que Murray, sem acompanhamento, faz uma de suas típicas “declarações” na linha do expressionismo exaltado de Albert Ayler, com inesperados efeitos multifônicos. O clima de balada em duo só retorna depois de um solo politonal de Takase, que exibe abertamente sua admiração pelo pianismo free de Cecil Taylor na faixa seguinte, A very long letter(5m44), também de sua autoria.
A versão de Let's cool one (5m40) tem Murray no clarinete baixo, imprevisível como de hábito, enquanto a sua parceira aproveita o desenrolar do tema de Monk para saborosas referências explícitas ao stride piano do Harlem, tal como praticado por Fats Waller e Willie “The Lion” Smith lá na década de 1930.
O saxofonista tenor assina três composições do novo CD: To A.P. Kern (5m55), uma balada que poderia ser dedicada a Coleman Hawkins, cuja sonoridade e fraseado são relembrados; Stressology (6m25), com solos plenos de peripécias sônicas e harmônicas promovidas pelo par de ases; a bela e solene A long march to freedom (6m25).
Aki Takase contribui ainda com Blues for David (4m50) e Nobuko (6m15) - este último tema um tributo à falecida mãe da jazzwoman, que começa e termina em forma de balada, mas que abriga um solo bem free da pianista.
(As faixas Cherry-Sakura e A very long letter podem ser ouvidas em: intaktrec.bandcamp.com/album/cherry-sakura).