No jazz, a arte do trio piano-baixo-bateria passou a ser mais interativa, e muito mais exigente em matéria de harmonia e dinâmica no início da década de 1960, a partir da concepção do Bill Evans Trio (Scott LaFaro, baixo; Paul Motian, bateria). Esse tipo de combo - tão especial no jazz como o quarteto de cordas na chamada música erudita – foi enriquecido, nos últimos 30 anos, pelos fascinantes trios de Keith Jarrett (Gary Peacock, baixo; Jack DeJohnette, bateria), de Fred Hersch (Drew Gress, baixo; Nasheet Waits, bateria) e de Brad Mehldau (série The art of the trio, com o baixista Larry Grénadier e o baterista Jorge Rossy).
Nos tempos do swing, do bebop e do cool jazz, as grandes estrelas do piano apresentavam-se e gravavam quase sempre em trios, mas na condição de líderes incontestes. Seus pares atuavam mais como “seção rítmica”, com a função básica de manter acesa a chama do beat. Assim funcionavam os trios de Art Tatum, de Bud Powell, de Oscar Peterson.
Até hoje, mesmo nos modernos jazz trios interativos - como nos casos de Jarrett, Hersch e Mehldau - o nome da “firma” é sempre o do pianista. As exceções são raras.
E uma delas merece destaque, a propósito do lançamento, pela etiqueta ECM, do álbum Now this, gravado em julho do ano passado, por um trio fora de série no nome do contrabaixista (acústico) Gary Peacock, em conluio com o pianista Marc Copland e o baterista Joey Baron.
No último dia 12, o líder nominal da trinca fez 80 anos, dos quais 32 de fidelidade ao Standards Trio de Keith Jarrett, com o qual gravou 21 álbuns para a ECM. Vale lembrar também que o grande baixista participou ativamente da revolução do free jazz, como sideman do saxofonista Albert Ayler (Ghosts, Debut, 1964; Spiritual unity, ESP-Disk, 1965).
Em Now this, Peacock assina sete das 11 peças do menu, das quais quatro já gravadas em outras oportunidades: a valsante Gaia (6m35), a impressionista Moor (5m45), a delicada e insinuante Vignette (4m50) e Requiem (4m45). As novas composições são Shadows (5m), This (5m40) e Christa (4m35).
O underrated pianista Marc Copland, 67 anos, contribuiu para o novo CD com duas composições: And Now (4m30) e Noh blues (5m45). Como líder, na companhia de Peacock, ele já tinha gravado para o selo Pirouet dois refinados álbuns (volumes 1 e 2) dos seus New York Trios, tendo como bateristas Bill Stewart e Paul Motian, respectivamente: Modinha (título da faixa de Tom Jobim), 2006; Voices, 2007.
Em Now this, o trio agora no nome de Peacock, tendo como baterista o também veterano Joey Baron, 59 anos, não deixa de recordar um dos temas mais belos do inesquecível Bill Evans Trio-1961: Gloria's step, do incrível baixista Scott LaFaro, que morreu aos 25 anos, num acidente de automóvel, 10 dias depois das antológicas gravações ao vivo no Village Vanguard.
Gary Peacock sola em todas as faixas, exibindo o seu toque irretocável e a clareza de suas percepções musicais. Mas sempre admitindo os constantes “comentários” - e também pequenos solos - de seus pares. Eles fazem um jazz camerístico, em sua maior parte improvisado, mais introvertido do que extrovertido, bem na linha do exigente selo ECM, de Manfred Eicher.
(As faixas de Now this podem ser ouvidas em https://musicmp3.ru/artist_gary-peacock-trio__album_now-this.html#.VWBrYk9Viko)