Há exatos 40 anos, os Estados Unidos viviam o que talvez tenha sido o momento mais dramático de sua história política: a renúncia de Richard Milhous Nixon, anunciada em um pronunciamento pela televisão em 8 de agosto de 1974. No dia seguinte, o primeiro e único presidente dos Estados Unidos a renunciar ao cargo foi retirado da Casa Branca de helicóptero, deixando uma sombra que ainda hoje paira sobre Washington.
Eleito em 1968 e reeleito em 1972, Nixon renunciou devido a uma série de atividades clandestinas e ilegais operadas por integrantes do seu governo e do Partido Republicano – em muitos casos, com seu conhecimento e anuência – contra adversários políticos. O escândalo ficou conhecido como Watergate, nome do prédio que abrigava a sede nacional do Partido Democrata, em Washington, invadida por cinco homens ligados à Casa Branca em junho de 1972, poucos meses antes da reeleição do presidente.
Depois de dois anos marcados por investigações e revelações comprometedoras feitas pela imprensa, sem apoio político e pressionado pela possibilidade concreta de um impeachment, Nixon optou pela renúncia, sendo sucedido por seu vice, Gerald Ford.
“Havia uma sensação de pânico e as pessoas se perguntavam o que isso significava para o futuro dos Estados Unidos”, disse ao Terra Lee Edwards, historiador e analista político da Heritage Foundation, uma think tank (instituição que pesquisa temas como política social, estratégia política, economia, militar, tecnologia e cultura) sediada a poucos passos do Congresso americano.
Watergate transformou profundamente não só o modo pelo qual os americanos passaram a enxergar o governo, como também a conduta dos políticos e o relacionamento da Casa Branca com a imprensa.
Segundo analistas, Watergate pôs fim à confiança que os cidadãos tinham no seu governo e, no lugar disso, plantou uma semente de suspeita que só se fortaleceu desde então. De acordo com o Pew Research Center, até o início da década de 70, ao menos 60% dos americanos diziam confiar que o governo federal estava agindo corretamente na maior parte do tempo. Logo após a renúncia de Nixon, o número caiu para 36%. Hoje, o cinismo tomou conta da opinião pública, com apenas cerca de 15% dos americanos confiando na boa conduta de Washington.
Mas há discórdia sobre se a constante avaliação do público pela qual passam hoje os políticos - presidentes e candidatos à presidência, em especial - resulta em comportamentos mais éticos, ou se apenas faz com que eles tentem acobertar melhor suas atividades.
“Acredito que os políticos, depois que viram o que aconteceu com Nixon, ficaram mais assustados e aprenderam a lição de que, não importa o quão populares possam ser, eles não são intocáveis”, diz Edwards, que conheceu Nixon pessoalmente.
O analista aponta como exemplo disso a reação do presidente Ronald Reagan – um conservador de grande popularidade - reagiu na ocasião do escândalo Irã-Contras, que tomou conta dos noticiários em 1986. Reagan imediatamente endereçou as acusações e ordenou que todos os funcionários de seu governo cooperassem com a investigação do esquema de venda secreta de armas dos Estados Unidos ao Irã com o objetivo de libertar americanos em poder dos iranianos e desviar o dinheiro para a guerrilha dos Contras na Nicarágua.
Outros analistas, no entanto, consideram que, embora Watergate tenha levado a alguns pontos positivos, como uma reforma no financiamento de campanhas, uma imprensa mais atenta e investigativa e eleitores menos ingênuos, os esforços para trazer mais ética à política não adiantaram de nada.
“Isso só nos trouxe à era mais cheia de escândalos da história americana”, afirma a cientista política Suzanne Garment, autora de "Scandal: The Culture of Mistrust in American Politics" (“Escândalo: A cultura da desconfiança na política americana”, em tradução livre).
Desde Watergate, não faltaram escândalos na política americana. Os mais famosos foram o caso que envolveu Bill Clinton e a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky, em meados dos anos 90, a tortura praticada por oficiais americanos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, entre 2003 e 2004, e, mais recentemente, as investigações indevidas feitas pelo Internal Revenue Service (Receita Federal) sobre grupos políticos conservadores e as revelações de que a Agência de Segurança Nacional (NSA, sigla em inglês) monitorava secretamente chamadas telefônicas e atividades online.
Medo da imprensa
A imprensa teve um papel essencial na investigação de Watergate, informando o público americano sobre o escândalo, evidenciando o envolvimento de Nixon com as atividades ilegais de seus funcionários e aumentando a pressão sobre o presidente e o Congresso.
Os repórteres do The Washington Post Bob Woodward e Carl Bernstein, que revelaram o caso, viraram celebridades e ganharam o prêmio Pulitzer por seu trabalho. Seu livro "Todos os homens do presidente" foi transformado em filme, com Robert Redford e Dustin Hoffman nos papéis principais e ganhando quatro prêmios Oscar.
Se Watergate tornou a imprensa mais agressiva e abriu os olhos do público, os políticos também ficaram mais cautelosos nas suas maneiras de se comunicar.
Até o fim do mandato de Lyndon Johnson, antecessor de Nixon, os presidentes americanos eram mais acessíveis à imprensa, tendo o hábito de conversar de improviso com jornalistas. Com a chegada de Nixon à Casa Branca, em 1969, foi criado um departamento de comunicação, dificultando o acesso dos repórteres ao presidente.
Nixon considerava a mídia um inimigo e preferia se comunicar com o público por meio de pronunciamentos pela televisão, como uma maneira de evitar questionamentos diretos pelos repórteres que cobriam a Casa Branca. Esse foi um legado de Nixon aos presidentes que a ele se seguiram, que passaram a se distanciar dos jornalistas.
Essa prática foi mantida inclusive por Barack Obama, que, mesmo contando com vários admiradores dentro da mídia antes de sua eleição, em 2008, mostrou-se um dos presidentes mais duros no tratamento da imprensa. Segundo relatório do Comitê para Proteger Jornalistas (CPJ, sigla em inglês) de outubro de 2013, os funcionários do governo de Obama têm cada vez mais medo de falar com a mídia.
Também em 2013, o Departamento de Justiça secretamente obteve registros de mais de 20 linhas telefônicas da agência de notícias Associated Press. No mesmo ano, a Casa Branca ameaçou processar jornalistas que não cooperassem com investigações de vazamento de informações.
Escândalos dos presidenciáveis
Dois dos favoritos para disputar a eleição presidencial americana em 2016, a democrata Hillary Clinton e o republicano Chris Christie, já estiveram no centro de grandes escândalos políticos.
A ex-primeira dama e ex-secretária de Estado, que coincidentemente fez parte do comitê judiciário de investigações do Watergate, já enfrentou a imprensa, a opinião pública e o Congresso ao defender o marido, Bill Clinton, quando ele quase perdeu a presidência ao mentir sobre seu caso extraconjugal com Monica Lewinsky. Mais recentemente, ela foi acusada de negligência no ataque à embaixada americana em Benghazi, na Líbia, em 2012.
Governador de Nova Jersey, Christie ainda está tentando amenizar a ira do público com o caso Bridgegate (outro legado do Watergate foi a adoção universal do sufixo “gate” para denominar escândalos políticos). No início deste ano, foi revelado pela imprensa que o governador deu ordens para que fossem fechadas pistas da ponte George Washington, que liga seu estado a Nova York, causando um enorme congestionamento como retaliação a um inimigo político, o prefeito da cidade de Fort Lee, que é ligada à ponte.
Após Watergate
“Nem todos os presidentes aprenderam as lições do Watergate. Mas os presidentes hoje são bem mais espertos para esconder informações e tentar controlar o fluxo de informações que saem da Casa Branca”, diz, em entrevista ao Terra, Mark Rozell, reitor e professor de política da universidade George Mason.
“Duvido que algum presidente volte a gravar secretamente conversas, e presidentes e o pessoal da Casa Branca são agora muito mais cuidadosos com a manutenção de registros”, afirma o acadêmico, em referência às gravações que Nixon fazia de telefonemas e reuniões no Salão Oval da Casa Branca, que complicaram sua posição enquanto presidente.
Apesar da mancha que a renúncia de Nixon deixou nos anais da política americana, a ameaça de impeachment não deve ser suficiente para fazer políticos ambiciosos conterem comportamentos indevidos. Na verdade, apenas dois presidentes americanos sofreram processo de impeachment: Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998. Ambos foram absolvidos e reconquistaram o respeito da nação.
Ironicamente, Nixon, que renunciou para evitar o processo de impeachment, morreu sem conseguir recuperar totalmente sua reputação – embora, no fim da vida, tenha buscado retomar a simpatia dos americanos, tentando participar de negociações de política internacional, realizando palestras, publicando artigos e dando entrevistas, até sua morte em 1994.
“Os americanos têm uma capacidade extraordinária de perdoar servidores públicos que cometem grandes erros mas assumem responsabilidade e pedem desculpas. Se Nixon tivesse feito isso, ninguém estaria escrevendo sobre o aniversário de sua renúncia agora”, diz Rozzell.