Joana Duarte , Jornal do Brasil
WASHINGTON - O presidente da China, Hu Jintao, participará domingo, em Washington, de uma cúpula nuclear mediada pelo presidente Barack Obama, em que deixará de lado a relutância histórica de discutir com outras potências a possível aplicação de novas sanções ao Irã. Para as autoridades americanas, a presença de Hu em Washington sinaliza uma importante mudança de tom na política de Pequim e demonstra que novas sanções serão uma conclusão inevitável . Mas para o desassossego dos americanos, analistas afirmam que a China não aceitará medidas que possam vir a afetar seus enormes interesses comerciais com a República Islâmica. Embora uma resolução deva ser aprovada no Conselho de Segurança da ONU nas próximas semanas, essa medida, segundo analistas, não deve passar de um alerta simbólico ao Irã, como já ocorreu em três resoluções anteriores.
Para garantir o seu acesso a novos mercados, a China mantém, há anos, uma política de não-interferência nos assuntos de outros países. Até agora, quase todos os esforços ocidentais para disciplinar ditaduras repressivas mundo afora Zimbábue, Sudão, Mianmar, por exemplo foram rejeitados por Pequim, que também não admite a intervenção de outros países nos assuntos internos da sua autocracia.
Nos últimos anos, enquanto os Estados Unidos e a Europa têm procurado isolar o Irã, a China se tornou o maior comprador de petróleo e gás iranianos, assegurando direitos de perfuração para empresas chinesas em Teerã e fornecendo ao país o que o analista Stefan Halper chama de assistência técnica ambígua , como tecnologia de mísseis de longo alcance e design de ogivas.
Guarda Revolucionária
Para Kenneth Katzman, especialista em sanções ao Irã no Council on Foreign Relations, centro de pesquisa sediado em Washington, a China deve aceitar uma resolução proposta pelos EUA para punir as atividades econômicas de determinados membros da Guarda Revolucionaria Islâmica, corpo de elite das Forças de Segurança do Irã suspeito de financiar atividades de proliferação de armas nucleares. Entretanto, é improvável que estas sanções sejam mais eficazes do que as aplicadas nas rodadas anteriores durante os últimos três anos.
Segundo o Wall Street Journal, com as sanções atualmente em vigor, os americanos conseguiram congelar apenas US$ 43 milhões em recursos iranianos nos EUA uma quantia insignificante e que representa apenas um quarto da receita diária do Irã com a venda de petróleo para países aliados como a China.
Um dos motivos do fracasso das sanções anteriores, sugere Evan Feigenbaum, também do Council on Foreign Relations, é que a China nunca se esforçou muito na aplicação dessas sanções . A administração de Barack Obama espera que, daqui para frente, a China seja mais rigorosa na execução das medidas punitivas, mas até agora não há razões para apostar nisso.
Teerã
Poucos dias depois de participarem da cúpula sobre segurança nuclear em Washington, autoridades da China participarão entre os dias 17 e 18 de abril, em Teerã, de mais uma conferência sobre desarmamento nuclear. Segundo autoridades iranianas, especialistas de cerca de 60 países foram convidados para o evento, chamado de Energia nuclear para todos, armas nucleares para ninguém.
Os chineses acolheram a iniciativa da República Islâmica de conclamar o mundo a se desarmar, e farão parte da conferência de Teerã confirmou o principal negociador nuclear iraniano, Saeed Jalili, segundo a agência de notícias oficial Irna.
Após se encontrar com o ministro das Relações Exteriores da China, Yang Jiechi, há pouco mais de uma semana, Jalili disse a repórteres que os dois lados concordaram que sanções das Nações Unidas contra o Irã perderam sua eficácia .
Stefan Halper: Nova resolução não terá impacto
O republicano Stefan Halper serviu na Casa Branca e no Departamento de Estado dos EUA durante os governos Nixon e Reagan. Membro sênior do Departamento de Política e Estudos Internacionais da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Halper acaba de publicar nos EUA o livro The Beijing consensus: how China's authoritarian model will dominate the twenty-first century (O consenso de Pequim: como o modelo autoritário da China irá dominar o século 21, em tradução livre), livro que lança luz sobre as peculiaridades da política e da economia de mercado adotadas com sucesso por Pequim. Em entrevista ao JB, Halper retrata a China como uma grande ameaça ao que chama de valores ocidentais baseados na democracia e na liberdade, e afirma: Pequim não se deixa influenciar por preceitos éticos ou morais , mas conduz sua política apenas de modo a não prejudicar seus interesses econômicos modelo este que vem ganhando popularidade em países fora do Ocidente, entre eles o Irã.
A China concordou em participar da cúpula sobre segurança nuclear, de Obama, levando muitos a especularem que Pequim pode estar pronta para uma nova rodada de sanções ao Irã. Se isso ocorrer, como serão essas sanções?
A China se preocupa unicamente com seus interesses econômicos, e não com preceitos éticos ou morais, como a questão da não proliferação nuclear. Atualmente, Pequim tem investimentos de cerca de US$ 20 bilhões na indústria do petróleo iraniano e não vai assinar sanções que possam prejudicar seus interesses comerciais. Por este motivo, a resolução que passar na ONU não terá grande impacto econômico sobre o Irã. Além disso, é bom lembrar que as fronteiras e portos iranianos são extremamente porosos, o que dificulta muito a tarefa de isolar o país.
A China estaria disposta a aceitar sanções específicas contra integrantes da Guarda Revolucionária Iraniana, conforme foi proposto pela Casa Branca?
A Guarda tem participado de interesses comerciais poderosos, alguns de seus membros interagem com projetos e investimentos chineses no país. A China já deixou claro que não irá aceitar tais sanções.
Pequim não teme minar sua relação com os EUA?
As parcerias entre EUA e China são extensas mas bem balanceadas. É uma relação de dependência mútua e nenhuma das partes quer que seus investimentos e exportações sejam prejudicados.
Não seria inútil aprovar sanções incapazes de afetar o governo iraniano?
Sempre digo aos meus alunos que sanções são o que a comunidade internacional faz quando já não sabe mais o que fazer. De um modo geral, sanções são absolutamente ineficazes. No caso do Irã, há muitos grupos xiitas e países vizinhos que simpatizam com Mahmoud Ahmadinejad e que aceitariam fazer novas parcerias econômicas para neutralizar as sanções. Congelar os investimentos de integrantes da Guarda Revolucionária pode até causar dor de cabeça ao regime, mas não vai alterar as políticas de Ahmadinejad. Pelo contrário, ele costuma aproveitar os eventos que colocam o Irã sob os holofotes para desafiar seus rivais e gerar um maior apoio doméstico. Neste momento, Ahmadinejad está confiante de que novas sanções da ONU não o prejudicarão.
O senhor acha que os EUA deveriam tentar influenciar a China?
Pelo contrário, acho que os EUA deveriam repelir o modo como a visão chinesa do mundo, com sua autocracia capitalista, vem influenciando o planeta. Muitos países fora do Ocidente admiram a China como um modelo de superpotência a ser seguido, e isso está corroendo os valores ocidentais baseados em liberdade e democracia. A China demonstra que é possível reger uma economia de mercado sob um partido único, estável e autocrático, e que gera empregos. É uma nova forma de organizar governos e países como o Irã já manifestam grande interesse neste modelo. Isso me preocupa.