ASSINE
search button

Afeganistão: Talvez seja tarde demais, diz especialista

Compartilhar

Joana Duarte , Jornal do Brasil

RIO - Jason Burke, o premiado correspondente do jornal britânico The Guardian e de sua versão dominical, The Observer, passou uma década no epicentro do radicalismo islâmico. Aos 21 anos, se juntou a guerrilheiros curdos que lutavam no Iraque e cobriu, em primeira mão, a então chamada Guerra ao Terrorismo no Oriente Médio e no sudoeste asiático. Em entrevista ao JB, o britânico, hoje com 29 anos e radicado em Paris, revela, com certo pessimismo, que talvez seja tarde demais para o sucesso da ocupação norte-americana no Afeganistão. Enquanto Obama vacila sobre o envio de mais tropas, e assim fomenta a determinação de seus inimigos , diz Burke, ele ignora seu maior desafio: a falta de legitimidade política no país. Para Burke, considerado uma das maiores autoridades ocidentais em terrorismo islâmico, os EUA não sairão vitoriosos do Afeganistão sem que o Talibã seja reintegrado ao sistema constitucional do país como uma força política legítima.

Como o senhor vê a atual ocupação no Afeganistão? Os EUA aprenderam com os erros das outras potências que tentaram e não conseguiram dominar o país?

Os norte-americanos certamente conhecem, em detalhes, a catastrófica tentativa de ocupação soviética no Afeganistão, uma operação verdadeiramente desastrosa. De fato, um dos motivos pelo qual os norte-americanos não enviaram um grande número de tropas em 2002, logo após a guerra de 2001, foi o temor de que provocariam uma reação semelhante àquela experimentada pelos soviéticos. No fim das contas, a questão principal não é a quantidade de soldados que você manda para o Afeganistão, mas sim o que eles fazem lá. O problema durante os últimos seis ou sete anos tem sido o envio de um número excessivo de tropas que operam de forma errada e, francamente, os EUA têm demorado muito para perceber isso. Hoje, o maior problema norte-americano na região é o mesmo enfrentado no passado nas ocupações britânicas e soviéticas, ou seja, a falta de legitimidade política no país. As tropas, por si só, não são uma garantia de sucesso. Os EUA precisam pôr logo em prática o que vêm anunciando, que vão treinar os afegãos, construir uma infraestrutura social e política confiável, proteger a população, criar condições para uma nova força de segurança assumir o poder. São coisas básicas de qualquer doutrina de contrainsurgência. A grande questão agora é que talvez já seja tarde demais. Isso deveria ter sido feito há muito tempo.

Uma vitória dos EUA ainda é possível?

Depende da sua definição de vitória. Se isso quer dizer a estabilização do Afeganistão a níveis de violência que sejam aceitáveis, e a minimização da ameaça do islamismo radical no mundo, então sim, acho que isso é possível. Mas se vitória significar a criação de um Afeganistão democrático, liberal e pró-Ocidente, não há chance alguma disso acontecer.

O senhor acha que os norte-americanos sempre pretenderam transformar o Afeganistão em um aliado democrático e pró-Ocidente?

Não. Se analisarmos desde o início a invasão norte-americana no Afeganistão, veremos que o componente ideológico da guerra surgiu bem depois do fator segurança. O Exército norte-americano invadiu o Afeganistão para que a América se sentisse mais segura, porque os insurgentes se escondiam e se organizavam naquele país. Os países aliados sempre buscaram enfatizar o elemento humanitário da invasão, mas nunca os norte-americanos. Eles sempre deixaram claro que entraram lá porque o Talibã afegão estava protegendo a Al Qaeda. Em seguida, a União Europeia e as Nações Unidas conseguiram convencer os EUA a mudarem o tom da operação, para dar prioridade à reconstrução do país e a criação de um novo Estado mais democrático. Mas ao se tornar profundamente ideológica, a ocupação começou a fracassar. Acho que agora há um retorno ao pragmatismo e os americanos estão de novo se perguntando o que realmente foram fazer ali. O Afeganistão é um pais de forte identidade cultural e religiosa, e um dos motivos pelo fracasso da ocupação até agora é que tentava-se construir um Afeganistão aos moldes Ocidentais, e não um que preservasse e refletisse os valores locais.

A Al Qaeda continua sendo influente na região?

A Al Qaeda não está muito presente no Afeganistão. Há alguns poucos indivíduos afiliados à Al Qaeda lutando com o Talibã, mas de um modo geral ela tem se mantido fora do Afeganistão, permanecendo em suas bases no Paquistão. A Al Qaeda tem cerca de 100 componentes no Afeganistão que têm sofrido pressões significativas como resultado das ofensivas do Exército paquistanês no Afeganistão nos últimos anos. Mas o Talibã sempre foi o grupo a encabeçar a insurgência no Afeganistão.

Qual é a relação mantida no Afeganistão entre os membros da Al Qaeda que permanecem no país e o Talibã?

A relação entre os grupos sempre foi complicada, desde a época em que lutavam contra os soviéticos. Eles têm objetivos completamente diferentes. O Talibã é um movimento majoritariamente pashtun, focado apenas no Afeganistão, que visa a criação de um regime islâmico ultraconservador no país. Enquanto isso, os membros da Al Qaeda são árabes algerianos, líbios, egípcios etc, que têm seus interesses voltados quase que exclusivamente para os países do Oriente Médio. Fatos recentes até sugerem que o Talibã está tentando se distanciar ainda mais de membros da Al Qaeda no Afeganistão.

Osama bin Laden ainda tem relevância na Al Qaeda hoje?

Ele ainda é importante por ser o ícone e o foco da organização. Bin Laden consegue conciliar, em um só grupo, elementos da militância global islâmica que seriam, sem sua presença, bastante desunidos. Se ele desaparecesse da noite para o dia isso provavelmente causaria uma mudança profunda no cenário do radicalismo islâmico. Por outro lado, é bom lembrar que a militância islâmica é um fenômeno amplo e diversificado, com raízes criadas há séculos no mundo islâmico e na sua relação com o Ocidente.

Como avalia a estratégia de guerra dos EUA até agora? Por que Obama hesita tanto em se decidir quanto ao envio de tropas adicionais ao país?

Ele precisa tomar uma decisão imediatamente, definindo se envia mais tropas ou se abandona o país de vez. Não há outra alternativa viável. Obama ou faz um compromisso significativo em termos de homens, verbas e capital político, ou deve começar a procurar uma retirada imediata. Não há meio-termo. Quanto mais tempo demorar, mais revigorado e obstinado ficará o Talibã. De todo o modo, independentemente da sua decisão, é preciso estabelecer uma estrutura política estável no centro do país que seja convincente para a maioria das elites da sociedade afegã. O modelo que temos tentado até agora não funciona. É preciso fazer reformas profundas na política do Afeganistão para permitir que o Talibã seja reintegrado como membro legítimo do sistema constitucional do país.

O senhor considera o presidente Hamid Karzai um aliado confiável para os EUA?

Não o acho confiável, mas Karzai é a opção menos pior, e este é precisamente o problema principal da região.

Que tipo de influência exerce o serviço secreto paquistanês no Afeganistão?

Sua preocupação principal é que o Afeganistão venha a se transformar num forte centro de influência para a Índia, quando as forças Ocidentais se retirarem do país. Os paquistaneses querem se posicionar estrategicamente agora, para estarem prontos quando a retirada ocorrer. Isso implica em que eles apoiem alguns elementos do Talibã afegão. Está bastante claro que isso vem ocorrendo já há algum tempo. Eles não apoiam a Al Qaeda e estão oficialmente lutando contra militantes do Talibã paquistanes, mas toleram e até cooperam com talibãs no país vizinho.

De que modo o tráfico de ópio no Afeganistão prejudica os esforços das tropas?

O comércio ilegal de ópio está causando estragos significativos, e o Afeganistão está prestes a se tornar um narcoestado. Uma enorme quantidade de dinheiro é gerada pela venda de ópio, o que fomenta a corrupção econômica, social e política do país. O cultivo de ópio deve ser encarado como um problema de desenvolvimento e segurança, e não como uma questão isolada.

O senhor ficou surpreso pela notícia de que Wali Karzai, irmão do presidente afegão, foi informante da CIA?

Não me surpreende. A CIA tem durante muito anos conduzido suas próprias operações em Kandahar e outras regiões do Afeganistão, e tende a recrutar pessoas de caráter questionável. Os informantes da CIA costumam ser pessoas que não têm interesse em buscar as mesmas metas amplas da coalizão internacional.