Rodrigo de Almeida, Jornal do Brasil
RIO - Uma grande potência, ainda que adormecida ou cambaleante, é capaz de produzir feitos notáveis, guinadas surpreendentes, mudanças históricas. Vale para uma nação, vale para uma instituição nacional como o New York Times, conforme se conclui ao ler o livro Obama: a jornada histórica, uma publicação original do jornal que a editora Manole acaba de levar às livrarias brasileiras.
A incrível jornada de Barack Hussein Obama rumo ao posto de presidente da mais rica, poderosa e estremecida potência do planeta é um bom exemplo dessa capacidade de sobrevivência e mudança do encontro, nos anos 60, entre sua mãe branca, nascida no estado do Kansas, e seu pai negro, do Quênia, à emocionante campanha que o levou à Casa Branca, deu-se uma vitória decisiva contra a barreira racial ainda existente nos EUA.
No outro lado do balcão, durante os longos meses de corrida presidencial, o mais importante jornal do mundo andou financeiramente tão cambaleante quanto a economia norte-americana. Mal passados os dois primeiros meses de governo Obama, por exemplo, uma reportagem em seu caderno de Economia noticiava que o grupo proprietário do jornal tivera um prejuízo de US$ 74,5 milhões no primeiro trimestre do ano. Em 17 sinceros parágrafos, o poderoso Times se autoflagelava, explicando a queda na receita publicitária em papel e na internet como complicador da própria crise.
Na descrição da sua dramática situação financeira e, sobretudo, no relato, nas informações, na análise e nas imagens de um dos mais significativos momentos políticos e econômicos do país, o Times mostrou suas marcas: a excelência do seu trabalho e a condição de símbolo do jornalismo dos EUA. Com uma lição notável para o jornalismo e os jornalistas a capacidade de preservar o tamanho e a qualidade do coração do negócio, a fim de manter o nível não de um produto, mas de uma instituição nacional.
Essa união de simbologias do Times e de Barack Obama parece exemplarmente exposto em Obama: a jornada histórica. A obra destila dois anos de trabalho do jornal, com textos reescritos, trechos de reportagens publicadas, reprodução de algumas das colunas de opinião e análise, várias sínteses biográficas de Obama e belas imagens produzidas pela equipe de fotojornalismo do Times (algumas das quais reproduzidas nestas páginas). Textos e fotos descrevem desde a formação do político até a posse, passando pela longa trajetória que garantiu a Obama o triunfo de novembro do ano passado.
Uma eleição diferente
A disputa que levou Barack Obama à Casa Branca foi uma dessas raras eleições em que o país não estava só escolhendo um presidente diz ao Jornal do Brasil o editor-executivo do Times, Bill Keller. Estávamos escolhendo uma direção a seguir, com enormes riscos em jogo depois do envolvimento em duas guerras, uma economia traumatizada e um eleitorado profundamente desencantado com a liderança americana e repleto de anseio de mudança.
É Keller quem assina a introdução do livro, no qual analisa os ventos de mudança nos EUA e os desafios da imprensa para cobrir um momento histórico. Muito antes de escolhermos a manchete de uma linha para resumir a noite da eleição ('OBAMA'), já sabíamos que esta eleição seria diferente de todas as ocorridas pelo menos nas duas últimas gerações , escreve. O eleitorado estava ansioso, desanimado com anos de liderança ineficiente e polarizada .
No texto, o editor-executivo cita desafios adicionados a um embate já complicado por natureza: a mudança de foco do debate eleitoral (o que parecia pender para a Guerra do Iraque terminou no medo da debilidade econômica do país), os elevados custos para cobrir uma legião de candidatos numa campanha que começaria quase dois anos antes, além do peso inédito da internet no jogo da militância. O Times sempre se orgulhou de não economizar no que fosse necessário para fornecer a cobertura das notícias, e desta vez também não foi diferente , gaba-se Keller no livro. Agora, no entanto, os repórteres que receberam a incumbência, tão glamourosa no passado, precisaram viajar de classe econômica, hospedar-se em hotéis Holiday Inn e comer sanduíches do Subway .
Crise, crise e crise
A adaptação a horizontes mais limitados ou, digamos, menos exuberantes, foi obra e graça da crise a palavra mais repetida na campanha presidencial e, nos últimos tempos, nas notícias sobre o Times. A resposta à crise econômica é, em si, uma chance de promover o plano de governo progressista , escreveu o economista Paul Krugman, um dos nomes estelares do time de colunistas do jornal, num comentário reproduzido no livro. Um programa de governo progressista podemos chamá-lo de um novo New Deal não só é economicamente possível, como também é o que a economia precisa . Thomas Friedman, outro colunista, confirma o otimismo generalizado presente nos textos opinativos publicados no Times: Ele (Obama) parece ser o presidente ideal para o momento momento este que exigirá um grande unificador, de cabeça fria e jeito tranquilo, para manter o país unido durante a reestruturação radical que será necessária para estabilizar nossa república . Mais outro, Bob Herbert, sentencia: No curto prazo, Obama terá de ser mais médico do que super-homem .
Aos comentários somam-se diversos discursos históricos do então candidato do discurso inaugural na Convenção Nacional do Partido Democrata de 2004, que nomeou o senador John Kerry para a disputa com George Bush, ao discurso de posse, em janeiro neste ano. Juntos, tornam-se um documento de força considerável para a história e para o cruzamento entre a esperança de uma campanha espetacular, a personalidade marcante de um líder político e a realidade normalmente frustrante de um governo. Hoje têm outro ânimo os próprios artigos de Krugman e de Friedman. Ao JB, Keller resume:
Algumas frustrações estão aparecendo, mas é cedo demais para dizer qual julgamento os eleitores farão, muito menos qual o julgamento da história.
Procura-se um modelo
Não imagine um livro e um jornalismo acadêmico no mau sentido, engolfado numa enxurrada de textos analíticos. O leitor precisa dessas análises, é fato, mas embora historicamente não exiba o estilo de texto do Washington Post ou de revistas como a New Yorker, o Times serve de lição também em outra proeza: a combinação virtuosa de análises, informações exclusivas e histórias saborosas, como aquelas que Jill Abramson, a braço-direito de Bill Keller, reúne. Sem esquecer o rico material visual, do qual ganham relevo as imagens captadas por fotógrafos como Damon Winter, que lhe garantiram o prêmio Pulitzer 2009 de fotografia.
É uma amálgama desejada por 10 entre 10 jornalistas do mundo inteiro. Como muitos sabem, por todos os cantos as publicações sentem a agulhada de uma conjunção de astros desfavorável: a recessão mundial, que reduz os gastos com publicidade,
e o avanço da internet, que serve de fonte em geral, gratuita de informações. Em nenhum lugar, porém, essa tormenta é tão tenebrosa quanto nos EUA.
Nem o jornal de maior prestígio no mundo escapou. A New York Times Co. deve mais de US$ 1 bilhão. Já vendeu parte do novo prédio, por US$ 225 milhões, e tomou emprestados outros tantos com o bilionário mexicano Carlos Slim, dono da Claro e da Embratel no Brasil. Há sete anos, o Times valia
US$ 5 bilhões. Hoje, vale pouco mais de US$ 700 milhões. Muitos creditam tanto a decisões empresariais equivocadas quanto ao binômio recessão-internet.
Ocorre que ninguém, nem o Times, descobriu como viabilizar-se financeiramente na internet, arrecadando o bastante para bancar um jornalismo de alto padrão. O site nytimes.com é um bom exemplo. Com 20 milhões de visitantes por mês, é o maior site de jornal do mundo, oferece gráficos interativos, um arquivo com matérias desde o século 19 e áudios e vídeos de qualidade. Mas não se paga.
Vivemos a mais grave crise da história da imprensa diz Alan Mutter, autor do blog Reflections of a Newsosaur, algo como Reflexões de um Jornassauro.
O Times mostra em Obama: a jornada histórica, porém, é o quanto os jornais continuam imprescindíveis.