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RIO - A escritora francesa Fred Vargas, que faz campanha pela manutenção do ex-ativista Cesare Battisti no Brasil, tornou pública nesta quinta-feira uma carta para M. Hans-Gert Pöttering, o presidente do parlamento da União Européia, a fim de defender sua permanência.
O refúgio a Battisti, de 54 anos, foi concedido no último dia 13 pelo ministro da Justiça brasileiro, Tarso Genro, que afirmou que o italiano "possui um fundado temor de perseguição por suas opiniões políticas" em sua terra natal.
O governo italiano enviará "o mais rápido possível" um dossiê ao Supremo Tribunal Federal (STF) com informações sobre o caso do ex-ativista Cesare Battisti, como afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país, Maurizio Massari.
Segue a carta na íntegra:
M. Hans-Gert Pöttering
Presidente do Parlamento da União Européia
Senhor Presidente,
Após tomar ciência que o Parlamento Europeu examinará, nesta quinta-feira, 5 de fevereiro, o caso de Cesare Battisti, peço licença para levar ao seu conhecimento, bem como dos deputados, informações fundamentais que motivaram a decisão do Ministro da Justiça brasileiro, Tarso Genro, e que julgo necessárias aos deputados para uma compreensão exata e objetiva do caso.
Antes do processo que o condenou, a revelia, à prisão perpétua, Cesare Battisti havia sido julgado em um processo coletivo na Itália, no qual estava presente (1979-1981). Na oportunidade foi condenado a 12 anos de prisão por subversão e porte de armas fatos que ele nunca negou não tendo sido, em momento algum, acusado de qualquer participação nos quatros homicídios cometidos pelo PAC, seu antigo grupo político (13 casos de tortura denunciados durante esse processo).
O segundo processo contra o grupo foi aberto em 1982 (1982-1993). Cesare Battisti, ausente e sem conhecimento desse fato, não teve direito a uma defesa normal: efetivamente, três procurações falsas foram fabricadas para representá-lo , durante onze anos.
Aqueles que o acusaram, e, particularmente, o antigo chefe do grupo, foram considerados arrependidos ou desligados do grupo, e beneficiados com a redução de suas penas em troca de delações. Como conseqüência, Battisti foi o único de seu grupo a receber a pena de prisão perpétua.
Vários outros elementos demonstram que Cesare Battisti não participou dos homicídios pelos quais foi condenado.
Esse conjunto de informações permitiu às autoridade brasileiras reconhecerem que o processo foi fundamentalmente viciado, que a culpabilidade de Battisti foi duvidosa e que a violenta pressão do governo italiano confirma uma perseguição política ad hominem. As autoridades e a magistratura italianas não desejam ver reveladas as terríveis irregularidades presentes nos 4700 processos dos anos de chumbo, por meio desse caso que se tornou altamente simbólico.
Numerosas personalidades brasileiras apoiam a competente e embasada decisão Ministro Tarso Genro, entre elas o senador Eduardo Matarazzo Suplicy e um dos mais respeitados juristas do país, Dalmo Dallari, que, juntamente comigo, colocam-se à sua disposição para informações mais detalhadas.
Tenho a esperança de que o Parlamento Europeu não se pronunciará em favor da extradição de um homem cuja culpabilidade suscita grandes dúvidas, e a quem a justiça italiana, durante onze anos, julgou com a ajuda de procurações falsas (as quais coloco a sua disposição)
Receba, Senhor Presidente, a expressão de minha mais alta consideração.
Fred Vargas
Diplomacia em seque
Após diversas mensagens oficiais de descontentamento com a decisão brasileira, no último dia 27 o chanceler italiano, Franco Frattini, chamou para consultas seu embaixador em Brasília, Michele Valensise. O processo tramita agora no STF, que deverá decidir se o italiano será extraditado ou permanecerá no Brasil, na condição de refugiado político.
Na última semana, o ministro Cezar Peluso, do Supremo, autorizou que o governo italiano se manifestasse no processo, dando cinco dias ao país para cumprir a solicitação.
Valensise retornou a Brasília ontem, onde anunciou que irá apresentar nos próximos dias uma manifestação do governo italiano ao STF, que inclui o pedido de revisão da concessão de refúgio político a Battisti e sua consequente extradição.