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Hezbollah cria santuário para mártir

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Robert F. Worth , Jornal do Brasil

NOVA YORK - Uma multidão de crianças em torno do mostruário de vidro, ansiosas por dar uma olhada nas roupas manchadas de sangue do mártir. O cinto dele está lá, e os sapatos que calçava quando morreu, com marcas de tiros. A mesa, aos pedaços, em que planejava operações, ainda tem seu estojo com lápis e seu celular.

Que Deus mate um deles dizia uma senhora, enxugando as lágrimas ao olhar para a caixa de vidro.

O homem exposto e venerado é Imad Mugniyah, um lúgubre comandante do Hezbollah. Até sua morte, em um atentado com carro-bomba na Síria, em fevereiro, era praticamente desconhecido, e seu cargo no grupo xiita era mantido em segredo. Mas desde então, tem sido exaltado como um dos maiores líderes militares da guerra contra Israel.

O Hezbollah abriu esta exposição em Nabatiye, no sul do Líbano, em honra a Mugniyah, acusado no Ocidente de ser o mentor de atentados devastadores e diversos seqüestros nos anos 1980 e 1990. Seu rosto barbado e carrancudo é mostrado em imagens do estacionamento convertido em local de exposição, ao lado de galhardetes que o exaltam como líder de duas vitórias a retirada israelense do sul do Líbano em 2000 e os conflitos de 2006 contra Israel.

A exposição, inaugurada em 15 de agosto, é a mídia mais ambiciosa do Hezbollah até agora, planejada para dramatizar o segundo ano do amargo conflito com Israel.

Alunos de escolas passeiam por lá ao longo do dia, absorvendo a mensagem de resistência heróica. De noite, luzes e lasers iluminam artilharia e tanques, entre os quais passeiam multidões até uma da manhã.

De primeira vista, parece uma simples visita escolar ao museu: a entrada verde e uma enorme réplica do conhecido boné de Mugniyah, a passagem pela ponte da vitória , feita com cápsulas de balas. Mas mais adiante o cenário fica mais apavorante.

Uma réplica de esqueleto é exposta dentro de um uniforme todo rasgado e com a legenda irônica o invencível soldado israelense .

Há também tanques israelenses capturados queimados e quebrados.

O fundo musical são sons de bombas e metralhadoras, além de vozes chorosas e algo que se assemelha a discursos.

Há também uma impressionante parte dedicada a mísseis anti-tanques e artilharia, tudo bem rotulado.

Algumas vitrines mostram óculos de sol, cartas e roupas rasgadas de outros dois importantes membros do Hezbollah, ambos assassinados por Israel.

Mas o centro da exibição é o quarto, dentro de uma vitrine de vidro, com os pertences de Mugniyah. Seu tapete de orações está lá, seus chinelos, sua escova de cabelo tudo como se fossem relíquias de um santo.

Numa tarde, há pouco tempo, os visitantes olhavam pelo vidro espantados, alguns soluçando.

Olhe, é a arma dele! gritou um menininho em roupas militares, puxando seus pais para uma olhada mais de perto.

Um jovem guia do Hezbollah, ali por perto, explicou que a arma era uma AK-47 modificada, mais poderosa e mais rápida do que o modelo padrão:

Ele nunca ia a lugar algum sem ela. Fazia parte de sua alma.

O guia, como todas as pessoas que trabalham na exposição, não informou seu nome, o que segue a política de anonimato de membros, defendida pelo Hezbollah.

* do The New York Times