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Após 523 dias, governo de Mario Draghi chega ao fim na Itália

Coalizão de unidade nacional desmoronou após boicote do M5S

Por JORNAL DO BRASIL com agência Ansa

Publicado em 21/07/2022 às 08:21

Draghi renunciou nesta quinta-feira após quase um ano e meio de governo Foto: Ansa

Terminou oficialmente nesta quinta-feira (21), após 523 dias, a experiência de Mario Draghi como primeiro-ministro da Itália. Quase um ano e meio no qual - com uma maioria ampla, mas litigiosa - geriu as muitas emergências do país, lembradas pelo próprio premiê no discurso que fez no Senado na quarta-feira (20).

Um Executivo que nasceu após a crise do segundo governo de Giuseppe Conte, do Movimento 5 Estrelas (M5S), que tinha como objetivo principal gerir as três emergências italianas: a sanitária, com a pandemia de Covid-19, a econômica e a social.

Nasceu assim, como disse à época o presidente da Itália, Sergio Mattarella, "um governo de alto perfil" que não deveria "se identificar com nenhuma fórmula política". Um governo que precisava "enfrentar com rapidez as graves emergências não adiáveis".

Todos os principais partidos - com apenas a exceção da sigla de extrema-direita Irmãos da Itália (FdI) - decidiram rapidamente em responder positivamente àquele apelo. Em 13 de fevereiro do ano passado, apenas 10 dias após ter recebido a missão de formar o governo, e que aceitou com reservas, Draghi e seus ministros prestaram juramento no Palácio Quirinale.

Em 17 de fevereiro, o governo obteve a confiança do Senado com 262 votos favoráveis, 40 contrários e duas abstenções, e no dia seguinte na Câmara dos Deputados, com 535 votos a favor, 56 contrários e cinco abstenções.

Números que representam até hoje uma das maiores bases políticas já registradas na história da República.

Rapidamente, Draghi indicou a estrada que estava pré-determinado a percorrer ligando plenamente a Itália e a Europa, como dizia que "sem a Itália, não há Europa, mas fora da Europa, há menos Itália".

A missão se mostrou bastante efetiva, com o país atingindo todos os objetivos fixados no Plano Nacional de Retomada e Resiliência (PNRR) durante o período e também na campanha de vacinação contra a Covid-19, na retomada econômica e na transição ecológica - o horizonte temporal, interrompido agora, mesmo que brevemente.

E rápida também foi sua "corrida" para a Presidência. Visto como um candidato natural para a sucessão de Mattarella, que teria o mandato encerrado no início deste ano, Draghi precisou recorrer a todo o seu repertório para desmentir com cortesia, mas firmeza, as vozes que o queriam por sete anos na chefia do Estado.

Muito ativo na cena internacional, o premiê também precisou lidar com os efeitos de uma guerra na fronteira da Europa e ainda - não fosse um dos pontos de atrito com parte de sua maioria - reivindica como necessário o envio de armas para a Ucrânia.

Mas, Draghi, que não economizou críticas duríssimas contra Vladimir Putin, também será lembrado pela dura tomada de posição contra o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, definido como um "ditador que nós temos a necessidade de lidar" ao criticar a falta de cortesia do turco com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, deixada sem cadeira em uma reunião oficial.

Porém, as batalhas mais duras, e que reapareceram durante todo o debate ocorrido nesta quarta-feira no Senado, foram com sua própria maioria. Sobretudo com o M5S, que desencadeou a crise, com confrontos sobre o envio de armas para a Ucrânia, o "superbônus" para famílias e empresas e a construção da usina de resíduos em Roma. E isso se mostrou uma fratura incurável para a base.

 

Partidos que derrubaram Draghi sofrem deserções

Dois dos três partidos que provocaram a queda do premiê da Itália, Mario Draghi, já sofreram as primeiras deserções por conta da crise política no país.

O economista renunciou ao cargo nesta quinta-feira (21), após ter perdido sua base de apoio no Parlamento, o que deve provocar a realização de eleições antecipadas.

Os pivôs da crise são o antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S), que cobrava de Draghi um maior compromisso com políticas sociais, a ultranacionalista Liga e o conservador Força Itália (FI), que exigiam a saída do M5S da coalizão de união nacional.

Os três partidos não participaram de um voto de confiança no Senado na última quarta-feira (20) e determinaram o fim do governo Draghi, que seguirá no poder até a definição de um sucessor, mas apenas para cuidar de assuntos correntes.

Em função da crise, dois dos três ministros do FI anunciaram sua saída do partido, que é guiado pelo ex-premiê Silvio Berlusconi.

"Esse Força Itália não é mais o movimento político onde militei por quase 25 anos. Não posso ficar nesse partido por nem mais um minuto", afirmou a ministra das Relações Regionais, Mariastella Gelmini.

Segundo ela, o FI "virou as costas aos italianos" e "cedeu o cetro" a Matteo Salvini, secretário federal da Liga. Gelmini foi seguida por Renato Brunetta, ministro da Administração Pública e figura histórica do partido de Berlusconi.

"Aqueles que colocaram interesses particulares antes do interesse do país em um momento tão grave são irresponsáveis. Os líderes cada vez mais estreitos do Força Itália se sujeitaram ao pior populismo soberanista, sacrificando um campeão como Draghi, orgulho italiano no mundo, no altar do mais míope oportunismo eleitoral", declarou Brunetta.

Dominante no campo conservador a partir da ascensão de Berlusconi, no início dos anos 1990, o FI vem perdendo espaço progressivamente para partidos de extrema direita, como a Liga e o Irmãos da Itália (FdI), de Giorgia Meloni.

Segundo as últimas pesquisas, o Força Itália tem hoje menos de 10% das intenções de voto e pode ter sua bancada parlamentar drasticamente reduzida no caso de eleições antecipadas.

O mesmo risco é enfrentado pelo M5S, que venceu as eleições de 2018 com 32% dos votos e hoje amarga o quarto lugar na preferência do eleitorado, com pouco mais de 10%.

Criado com um discurso antissistema e contra a política tradicional, o movimento participou de todos os governos nos últimos quatro anos, se aliando a partidos da esquerda à direita, e viu sua popularidade derreter.

Após a renúncia de Draghi, a deputada Soave Alemanno anunciou sua saída do M5S, ampliando a longa lista de deserções no partido populista desde 2018. "Em meio a uma crise que está devastando o país, o Parlamento faz uma escolha insensata e covarde, jogando fora o trabalho feito até agora e subtraindo-se à responsabilidade de buscar soluções", declarou.

"Minha experiência no Movimento 5 Estrelas termina aqui. Com extremo desprazer, me afasto do grupo político que por anos julguei ser minha casa e que agora não reconheço mais", acrescentou Alemanno.

 

França alerta para 'período de incerteza' com saída de Draghi

Primeiro país a se manifestar de forma oficial após a renúncia de Mario Draghi do cargo de premiê da Itália nesta quinta-feira (21), a França afirmou que agora se abre um "período de incerteza" dentro da União Europeia.

"Quando temos uma Europa sólida, ninguém tenta atacá-la. A Itália entrará agora em um período em que talvez estará um pouco menos estável que aquele que tínhamos em precedência. Quero agradecer a Mario Draghi que é um estadista excepcional, um parceiro da França. Nós vimos o quanto trabalhamos bem juntos. Ele é um pilar da Europa", disse a secretária de Estado para Assuntos Europeus, Laurence Boone.

Sobre o "período de incerteza", a representante do governo de Emmanuel Macron ressaltou que "períodos assim não nos deixam tranquilos nunca".

"Mas, eu lembro que durante a Covid-19, que também foi um período de incerteza, nós soubemos fazer uma dívida comum [com o plano de retomada Próxima Geração] e isso fornece à União Europeia uma base muito forte. Um endividamento comum e solidário que permite ajudar os países mais atingidos", acrescentou ainda a ex-economista-chefe da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Draghi renunciou oficialmente nesta quinta-feira após ver sua base de apoio derreter em uma votação de confiança no Senado. Agora, está nas mãos do presidente do país, Sergio Mattarella, decidir os próximos passos, que devem levar às eleições antecipadas ou a um governo técnico até o início de 2023.

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