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Arte de rua preserva história de protestos no Chile

AFP PHOTO / CLAUDIO REYES -
Manifestantes carregam fotos de chilenos assassinados e desaparecidos durante a ditadura instaurado por Augusto
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Quem anda pelas ruas de bairros centrais de Santiago se depara com paredes de prédios tomadas por arte de protesto. Cartazes, adesivos, pichações, grafites e instalações se espalham entre os bairros de Providencia e Belas Artes, servindo de testemunho visual dos atos contra Sebastián Piñera que assolam o Chile desde outubro.

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Manifestantes carregam fotos de chilenos assassinados e desaparecidos durante a ditadura (Foto: AFP PHOTO / CLAUDIO REYES)

Como forma de preservar a história dos protestos, um grupo de oito amigos começou a emoldurar determinadas obras, criando uma espécie de museu a céu aberto.

O coletivo, que atende por Museo de La Dignidad (museu da dignidade), coloca uma moldura dourada ao redor de cartazes e pichações e posta no Instagram a foto com a localização, o nome do artista, a técnica usada e o ano de produção --como num museu tradicional.

As obras são escolhidas a partir de caminhadas dos integrantes do grupo e "respondem mais ao clamor social do que a um setor político", segundo um deles --que não quis se identificar pois responde pelo coletivo. São incluídos no "museu" trabalhos que ressaltem a dignidade --demanda central dos manifestantes, de acordo com ele-- e figuras relevantes dentro da história da atual convulsão social.

Uma das primeiras colagens emolduradas foi uma releitura da "Guernica", de Picasso, feita por Miguel Ángel Castro. Em um painel, o artista representou o incêndio das estações de metrô, a alta quantidade de gás lacrimogêneo usada pela polícia e os "olhos feridos", referência aos que ficaram cegos em decorrência da violência das forças de segurança.

Outro trabalho destacado é uma ilustração que representa o cachorro Negro Matapacos como se fosse um tigre, de Tomas Saavedra. O cão preto com uma bandana vermelha em volta do pescoço virou um dos símbolos dos protestos.

Sua imagem, onipresente em Santiago (e que apareceu recentemente em um canteiro da avenida Paulista, em São Paulo), é inspirada em um cachorro real que acompanhava estudantes nos protestos pelo ensino gratuito de 2011.

Uma rápida busca na internet traz vídeos e fotos do destemido cão na linha de frente dos atos, ladrando para militares com olhar raivoso. Embora o animal nunca tenha efetivamente machucado um soldado, sua bravura lhe rendeu o apelido Negro Matapacos --algo como negro que mata policiais--, além de status de estrela entre os manifestantes.

"Os atuais protestos por justiça social e reforma socioeconômica no Chile têm muito em comum com os de 2011. Faz sentido que o Negro Matapacos continue um símbolo poderoso", diz Alexandra Isfahani-Hammond, da Universidade da Califórnia, em San Diego, que estudou a consciência em animais e escreveu sobre o cão chileno. "Ele defendeu os marginalizados contra a violência do estado autoritário."

Até agora, o coletivo emoldurou 14 obras pelas ruas de Santiago, nos arredores da praça Baquedano, onde os protestos são diários desde que a convulsão estourou. Algumas já tiveram os caixilhos removidos, afirma um dos integrantes do grupo, reconhecendo o caráter efêmero da arte de rua.

Mas isso não parece incomodá-los; outro dos objetivos do Museo de La Dignidad é revelar nomes alheios às instituições tradicionais de arte. "No Chile, a arte de rua sempre esteve à sombra da elitização dos museus; quando nosso museu aparece, um valor extra é atribuído à rua e suas obras."(João Perassolo/FolhaPressSNG)