A mesma energia que levou milhões de chilenos a sair às ruas para protestar nas últimas semanas está sendo canalizada através de conselhos e assembleias populares nas quais moradores vizinhos tentam moldar o futuro de Chile com suas próprias mãos.
"O primeiro ato de revolução que uma pessoa pode fazer ante o sistema é se juntar, porque o sistema te quer individual e te quer individualista", afirmou Cristian Díaz, uma das milhares de pessoas reunidas em uma tarde quente de sábado no bairro de Yungay, no centro de Santiago.
Vizinhos que mal haviam se falado antes da comoção social iniciada duas semanas atrás agora participavam de um debate profundo sobre o caminho político que querem forjar para o Chile. O cenário se repete com variantes e formatos múltiplos em municípios de todo o país -- mapas mostram na internet onde as reuniões acontecem, e até votações de propostas online.
Mais de 10 mil pessoas participaram de cerca de 300 encontros só na semana passada, segundo dados da Mesa de Unidade Social, uma organização que engloba grupos estudantis, sindicais, de direitos sexuais e ambientais.
"É ótimo ver tanta gente na praça, unida pelo mesmo, conversando, debatendo. É o que sempre quisemos, o que sempre sonhamos: que as pessoas se conhecessem, soubessem como o vizinho se chama", disse Díaz.
A data inicial era as 17h, mas os cerca de 30º Celsius do sábado da primavera austral chilena atrasam tudo e se anuncia que as reuniões começarão às 19h, quando o sol baixar e o dia refrescar.
Uma jovem chega com um megafone e o local fica repleto dos acordes de "El baile de los que sobran", canção dos anos 1908 da banda de rock local Los Prisioneros que se converteu em um dos hinos oficiais dos protestos.
Ela começa a ler alguns poemas e incentiva os que a ouvem a imitá-la. "Gente, desperta" e "Estado de emergência" são os nomes de suas poesias combativas, escritas no calor dos acontecimentos dos dias que correm.
Um dos organizadores da "assembleia autoconvocada" de Yungay, Pablo Selles, usa um alto-falante para dirigir as pessoas às quatro esquinas da praça principal do bairro. Os que moram no sudoeste se juntam nesta parte da praça, os do noroeste em sua zona, e assim sucessivamente.
"O que queremos fazer e com que devemos fazê-lo?" são as duas perguntas que os vizinhos devem fazer depois de debaterem se querem se integrar à Mesa de Unidade Social, muito maior, ou conservar sua autonomia.