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Após ganhar no tribunal direito de se candidatar, Evo é julgado nas urnas

José Cruz/Agência Brasil -
Presidente da Bolívia, Evo Morales
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Numa das travessas da avenida Panorámica, na cidade de El Alto, há um pequeno quiosque. Em meio a salgadinhos, maços de cigarro, chips e acessórios para celular, Enrica Saucedo, 59, dá seu palpite para a eleição boliviana deste domingo (18). "Preferia que Evo saísse. São muitos anos e muita corrupção. Por outro lado, eu e minha família não queremos viver o clima de quebradeiras, dos protestos do passado. Se é para voltar a isso, melhor que ele fique", resume.

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Presidente da Bolívia, Evo Morales (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

O local em que trabalha é tão pequeno que só podem entrar dois fregueses por vez. Contrasta com o "cholet" ao lado, que tem um salão de festas para aluguel no térreo e uma barbearia e uma loja de lingeries no primeiro piso. Os andares superiores são de uso residencial.

Um "cholet" é um tipo de habitação e de negócio típico dos anos de gestão do esquerdista Evo Morales, 59. Antes, El Alto era apenas uma cidade-dormitório, com menos comércio e habitada por uma classe média baixa e pobres.

Com a diminuição da pobreza e o aumento da classe média, muitos passaram a não querer sair do município quando melhoraram o padrão de vida, investindo ali mesmo.

Carlos Arano, 49, é um deles. Com a família, construiu esse "cholet" --mistura das palavras "cholo", usada para se referir de modo pejorativo aos indígenas, e "chalet"--, cuja fachada, assim como a de outros edifícios da região, é colorida e revestida de muito vidro.

"Se não fosse por Evo, El Alto continuaria a ser um lugar de pobreza e penúria. Hoje encontra-se tudo aqui, há um comércio pujante, as coisas são mais baratas que na capital, e vive-se mais em comunidade", conta.

Com população de 2,3 milhões de pessoas e clima frio durante todo o ano, El Alto abriga migrantes de muitas partes da Bolívia que buscam um emprego em La Paz.

Por isso, é um bom termômetro de um país partido. Em seus muros, há frases como "se não Evo, quem?", "basta de Evo", "Evo para sempre" e "Evo ecocida" --em referência aos incêndios na Amazônia.

Neste domingo, mais de 7 milhões de bolivianos irão às urnas para decidir se querem ou não que o mandatário, no poder desde 2006, siga no poder por mais cinco anos.

O líder indígena de origem aymara teve de apelar ao Tribunal Constitucional da Bolívia com o argumento de que teria um direito humano violado caso não pudesse seguir competindo. Isso porque a Constituição boliviana permite apenas uma reeleição consecutiva. Ganhou a batalha de interpretação legislativa e está concorrendo.

"Isso é uma fraude, é uma candidatura ilegal", disse, em entrevista à Folha, em agosto, Carlos Mesa, 66, aquele que quer impedir o avanço de Evo.

Ex-presidente, o centro-esquerdista vem atraindo os votos de quem crê que uma reeleição, nessas condições, seria um ataque à democracia.

Estão com ele parte do eleitorado urbano, que realizam atos para que seja respeitado o referendo de 2016, cujo resultado foi "não" à ambição de Evo de concorrer outra vez, e indígenas que se desiludiram com o presidente.

As pesquisas na Bolívia são pouco confiáveis, pois os institutos têm dificuldades de ir até certas regiões afastadas do país para coletar os dados.

Ainda assim, os principais levantamentos, como o da Ipsos, divulgado no último fim de semana, apontam vitória de Evo com 40% dos votos --seguido por Mesa, bem atrás, com 22%.

Segundo a lei eleitoral boliviana, para ganhar em primeiro turno o candidato precisa obter 50% mais um voto, ou 40%, desde que com diferença de dez pontos percentuais para o segundo colocado.

Outros institutos, porém, como o Ciesmori, mostram 36,2% para Evo contra 26,9% de Mesa. Se o resultado se confirmar, haverá segundo turno em 15 de dezembro e uma batalha pelos eleitores do terceiro colocado, o senador direitista Óscar Ortiz, que tem 7,9% das intenções de voto.

Outro fator de incerteza é o fato de que todas as pesquisas mostram um alto índice de indecisos, entre 20% a 30%.

A favor de Evo está uma economia que vai bem, embora não cresça no ritmo acelerado do passado. Para este ano, o Fundo Monetário Internacional prevê crescimento de 3,9% do PIB. Ou seja, mais que Chile, Peru, Argentina e Brasil. Além disso, a pobreza foi reduzida de 60% para 35%.

Por fim, desde que assumiu o poder, os conflitos entre Estado e sindicatos, que tanto sacudiram a Bolívia e causaram distúrbios nas ruas, foram em sua maioria apaziguados.

Contra Evo, há acusações de corrupção, ataques à imprensa, alto índice de feminicídio e violência doméstica no país e a reação lenta aos incêndios na Amazônia boliviana, que destruíram 4 milhões de hectares.

A região mais afetada, a de Santa Cruz de la Sierra, costumava abrigar seus mais ferozes opositores. Evo havia conseguido chegar a uma aliança com esse setor nos últimos anos, mas a insatisfação com as queimadas voltou a criar resistências.

"Dizem que eu sou um populista. Mas o que é ser um populista? É estar junto ao povo? Então, sim, sou", disse, em entrevista à Folha em agosto.

Já Mesa conta com o apoio dos que defendem que Evo aplicou um "golpe" ao concorrer a um quarto mandato. Também é tido como alguém moderado, além de culto --tem formação de historiador e é autor de vários livros.

Contra Mesa está o fato de não ser tão popular em regiões afastadas do país e de ter renunciado em meio a uma situação de conflito social, o que, para muitos, fez com que fosse rotulado de medroso.

"Evo tem mais chances se ganhar no primeiro turno. Se houver segundo turno, pode ser que a coisa se complique para ele. Porém, não se pode esquecer que ele tem o aparato público, e com isso tudo fica mais fácil", afirma o analista político Fernando Molina. (Sylvia Colombo/FolhaPress SNG)