Num dos momentos mais críticos da crise venezuelana, que vem se arrastando e piorando nos últimos anos, 65% dos brasileiros adultos dizem ter tomado conhecimento sobre a situação do país vizinho. Entre estes, 54% são contra uma eventual participação militar do Brasil na tentativa de derrubar a ditadura de Nicolás Maduro.
Apesar de a intervenção estrangeira ser uma hipótese não defendida abertamente pelos governos da América Latina, da Europa nem dos EUA, ela passou a ser sugerida entre as "opções que estão sobre a mesa" nos discursos dos governos americano e brasileiro.
Mesmo o líder opositor, Juan Guaidó, já recorreu à expressão em suas declarações. Ele preside Assembleia Nacional, único órgão considerado legitimamente eleito no país pela comunidade internacional.
Em visita a Buenos Aires nesta semana, o chanceler Ernesto Araújo disse à Folha de S.Paulo estar "convicto de que a pressão internacional será suficiente para a queda de Maduro".
Mas na segunda (8) o presidente Jair Bolsonaro disse que a "vanguarda" de uma possível intervenção seria dos EUA e que caberia a ele decidir sobre a entrada do Brasil, embora consultando o Congresso antes.
Maduro tomou posse em 10 de janeiro, após vencer eleições consideradas altamente irregulares, em maio de 2018. Nelas, não havia observadores internacionais nem participação da oposição.
A Assembleia Nacional decidiu então declarar o cargo de presidente vago e passou a chamar Maduro de "usurpador". Na sequência, em 23 de janeiro, Guaidó, seguindo a letra da Constituição, juramentou-se como presidente encarregado (descrito desta forma na Carta) e passou a fazer campanha dentro e fora do país para que Maduro deixe o poder.
Desde então, o ditador e Guaidó disputam o apoio dos venezuelanos e da comunidade internacional. Enquanto o opositor é reconhecido por mais de 50 países, entre eles Brasil e EUA, Maduro se apoia em Rússia, China, Bolívia, Irã e outros.
Dentro da Venezuela, Guaidó tem lotado praças e avenidas em seus comícios e marchas. A ditadura tem tentado fazer o mesmo, mas a presença é nitidamente menor.
Ambos disputam também o apoio das Forças Armadas, consideradas essenciais para a manutenção de Maduro no poder. Apesar das mais de mil deserções dos últimos meses, maioria é de oficiais de baixa patente, que estão agora no Brasil e na Colômbia.
"A alta cúpula dos generais ainda têm muito a perder com a queda de Maduro, pois se beneficiam dos negócios lícitos e ilícitos do Estado", disse à reportagem a pesquisadora Cynthia Arnson, do Wilson Center de Washington.
Segundo o Datafolha, o apoio a uma intervenção militar com o apoio do Brasil teria 54% de oposição dos brasileiros.
Entre os mais velhos, o número de rejeição sobe para 62%. Já 43% são favoráveis, cifra que é mais elevada entre jovens, subindo para 53%.
É alta a taxa daqueles que afirmam não ter conhecimento do que ocorre na Venezuela –35%, ou seja, um terço da população. Entre os 65% que têm conhecimento, o índice mais alto está entre os mais instruídos (89%), os mais ricos (89%) e os moradores da região Sul (76%).
Outro tema delicado ligado ao vizinho é a diáspora dos venezuelanos, que deixam o país por conta da crise humanitária. Apesar de o Brasil não estar entre os que mais recebem refugiados (Colômbia, Peru e Chile lideram), ainda assim essa cifra é crescente em território brasileiro.
De acordo com a pesquisa, dois em cada três (ou seja, 68%) brasileiros entre os que têm conhecimento do problema são favoráveis a que o Brasil receba refugiados venezuelanos, enquanto 27% são contrários, 2% são indiferentes e 2% não opinaram.
O índice dos que são favoráveis é mais alto entre a população mais jovem (77%) e entre os mais instruídos (79%). Porém, entre os mais velhos, são observados os índices mais altos de rejeição (36%), o mesmo ocorrendo entre os menos instruídos (37%).
A pesquisa, realizada em 2 e 3 de abril, entrevistou 2.086 pessoas, em 130 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais. Foram ouvidos apenas brasileiros com mais de 16 anos.