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Igreja católica admite destruição de arquivos sobre abusos sexuais

Vincenzo PINTO / AFP -
Manifestação contra os abusos sexuais por membros da Igreja Católica
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A Igreja católica destruiu arquivos sobre os autores de abusos sexuais, reconheceu neste sábado o influente cardeal alemão Reinhard Marx durante uma reunião histórica no Vaticano sobre a luta contra a pedofilia.

"Os arquivos que poderiam documentar estes atos terríveis e indicar o nome dos responsáveis foram destruídos ou inclusive não chegaram a ser criados", afirmou o presidente da Conferência Episcopal Alemã.

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Manifestação contra os abusos sexuais por membros da Igreja Católica (Foto: Vincenzo PINTO / AFP)

A denúncia do religioso provocou a reação imediata de uma das organizações de defesa das vítimas de padres pedófilos presentes em Roma para o evento.

"Isto é ilegal", afirmou, indignado, o americano Peter Isely, fundador da ECA (End Clergy Abuse), durante um protesto no centro de Roma para exigir medidas imediatas.

"O abuso sexual de crianças e jovens se deve, em uma parte não insignificante, ao abuso de poder da administração", afirmou o cardeal alemão em seu discurso aos participantes da reunião, entre eles 114 presidentes de conferências episcopais de todo o mundo convocados para falar também sobre o silêncio e acobertamento da pedofilia por parte da hierarquia eclesiástica.

"Ao invés de punir os culpados, as vítimas foram as repreendidas e silenciadas", lamentou.

"Os procedimentos e trâmites fixados para perseguir estes delitos foram deliberadamente ignorados, e inclusive apagados ou anulados", insistiu.

"De fato, os direitos das vítimas foram pisoteados e deixados ao livre arbítrio de indivíduos", denunciou o cardeal.

O arcebispo de Munique e Freising, conhecido por suas posições progressistas, criticou o fato de o "segredo pontifício" ser apresentado com frequência como justificativa pela Igreja e pediu a suspensão para casos de abusos sexuais cometidos por padres, uma solicitação feita por outros religiosos durante a reunião.

O cardeal pediu mais transparência sobre os julgamentos realizados pela Igreja e exigiu a divulgação do número de casos examinados pelos tribunais eclesiásticos, assim como detalhes sobre os mesmos.

O alemão se reuniu na sexta-feira de modo privado com 16 vítimas de abusos do grupo ECA. Ele citou em uma entrevista coletiva a "abertura e disponibilidade" da hierarquia da Igreja a aceitar uma mudança de mentalidade.

"É impressionante. Em 40 anos de vida religiosa nunca havia visto", confessou, emocionado.

A Igreja católica alemã pediu desculpas oficialmente em setembro do ano passado após a publicação de um relatório que revelou agressões sexuais contra mais de 3.600 menores de idade, cometidas durante décadas por integrantes do clero.

O próprio cardeal fez um pedido público de desculpas após a divulgação do documento, que contabilizou pelo menos 3.677 vítimas entre 1946 e 2014, em sua maioria menores de 13 anos, que sofreram abusos cometidos por 1.670 clérigos.

"A desconfiança institucional leva a teorias da conspiração sobre uma organização e a criação de mitos sobre ela. Isto pode ser evitado se os fatos forem expostos de maneira transparente", disse o religioso aos 190 membros da cúpula da Igreja presentes na reunião do Vaticano.

O discurso duro do cardeal, transmitido por streaming, foi dedicado sobretudo à necessidade de transparência para recuperar o prestígio da Igreja.

"Os procedimentos legais corretos servem para estabelecer a verdade e constituem a base de uma punição proporcional ao delito", destacou o religioso.

"Além disso, estabelecem a confiança na organização e em sua liderança", completou.

O influente cardeal fez um apelo à hierarquia eclesiástica a "dar um passo corajoso para a rastreabilidade e transparência" não apenas nos casos de abusos sexuais, mas também no "setor financeiro", outro tema sensível para a Igreja, acusada por finanças obscuras e demissões misteriosas.

Os debates prosseguiram com dois discursos de mulheres, uma religiosa, a superiora geral da Sociedade do Santo Menino Jesus, Verónica Openibo, e uma laica, a jornalista mexicana Valentina Alazraki, que cobre o Vaticano há quase 40 anos.

A jornalista recordou que a Santa Sé escondeu por mais de 60 anos a pedofilia do fundador do Legionários de Cristo, o mexicano Marcial Maciel, um dos escândalos mais graves da igreja moderna.

A reunião oficial terminará no domingo com um discurso do papa Francisco.