Ruth de Souza. Ela é o nosso grande orgulho. Situada ao lado das maiores da cena brasileira, aos 96 anos, forma, com Fernanda Montenegro (89) e Bibi Ferreira (96), a trinca de nossas grandes divas. Mas, por tudo que precisou superar, pelas dificuldades a priori impostas pela carga do preconceito, pela limitação racial sempre existente na escalação dos elencos, na concepção dos espetáculos, na seleção dos textos, Ruth precisou ser, além de grande, enorme, chegando às vésperas de seu centenário com o conceito de grande dama de nosso cenário dramatúrgico.
No teatro, participou da fundação, com Abdias Nascimento, do emblemático Teatro Experimental do Negro, em 1945, com a montagem de “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neil, tendo sido a primeira negra a atuar no Teatro Municipal. Foi uma montagem revolucionária, com os negros de cara limpa, numa época em que os personagens negros eram interpretados por brancos com os rostos pintados de preto. Já que ao negro não era dada qualquer possibilidade nas montagens teatrais, eles criaram as suas possibilidades. E provaram a força de seus talentos.
Apesar de carioca, Ruth viveu numa fazenda no interior de Minas, até os nove anos de idade, quando perdeu seu pai, e retornou com a mãe ao Rio, quando vieram morar numa vila em Copacabana. Aqui no Rio, ela começou, ainda na década de 1950, sua trajetória nas radionovelas, e em seguida nos teleteatros da TV Tupi. Escreveu uma página importante do teatro brasileiro, com sua atuação como protagonista em “Oração para uma negra”, de William Faulkner, com Sérgio Cardoso, em São Paulo, no Teatro Bela Vista. A expressão alcançada por Ruth em sua juventude valeu-lhe uma bolsa de estudo de um ano da Fundação Rockefeller, estudando na Universidade de Harvard e na Academia Nacional de Teatro.
O cinema é presença forte em sua biografia artística, desde “Terras do sem fim”, de Jorge Amado, até “Sinhá Moça”, com que conquistou reconhecimento nacional em 1953. Na TV Globo, e foi a primeira atriz negra protagonista de uma novela, A Cabana do Pai Tomás, um ano depois de seu ingresso na emissora em 1968.
São mais de 40 atuações “globais”. A última dela, e que tanto impressionou, foi semana passada no programa “Mr Brau”. Eis que, não mais que de repente, nos aparece Ruth de Souza dizendo com a intensidade de incomensurável atriz, um texto denso de Lélia Gonzalez sobre a afirmação dos afrodescendentes no Brasil. Ali, um minuto, meio minuto talvez, de Ruth de Souza, e todo esse manancial de memórias me vem à cabeça. A trajetória dessa atriz singular, pioneira, revolucionária, orgulho brasileiro, destaque de figura feminina, imposição do talento, da competência, da importância e do mérito de uma raça. Ah, Ruth de Souza, quanto lhe devemos! Quanto lhe agradecemos!
O CD de Zezé
Assim, lúcida, sorridente e elegante - pois elegância sempre foi um traço seu - Ruth de Souza compareceu ao lançamento do novo CD de Zezé Motta, “O Samba Mandou me Chamar”, no Theatro Net Rio. Com 13 faixas, o novo disco de Zezé reúne repertório inédito, alternando participações de jovens bambas e alguns veteranos da MPB, como Arlindo Cruz e Xande de Pilares. Canções com tom romântico, sob medida para desopilar, num país que atravessa momento tão sofrido e necessita de um alento musical.