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'Salve Jorge' levanta debate sobre a relação entre críticos e criticados

Redes sociais maximizam dimensão de discussão e desafiam limite ético entre as duas partes

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É fato: todo autor de uma obra direcionada a qualquer que seja o público está sujeito a interpretações, críticas e análises afins. Assim como é um direito seu concordar ou não com qualquer posição diante de sua criação, desde que haja de ambos os lados argumentos que respeitem, claro, a expressão artística do criticado e o respaldo analítico do crítico. Uma relação, a princípio, facilmente desconstruída. No entanto, a prática vem transformando a teoria em realidade distante.

'Salve Jorge' é uma novela polêmica por natureza. Seu mote envolve vilãs que traficam pessoas para fora do país: mulheres, bebês e, nas próximas semanas, homens também. Uma trama que envolve, de forma clássica, mocinha, mocinho e reviravoltas. Agradando muitos e desagradando outros tantos. Sendo que estes, visivelmente, superam aqueles em número. A média de audiência do folhetim é a pior da história de uma novela das nove (antigamente, 'das oito') da Globo. Um fato, não uma opinião. 

A reboque, críticas a falhas no desenrolar do enredo, ao desempenho de alguns atores e à repetição de eixos dramatúrgicos que remetem grosseiramente ao currículo recente de histórias contadas por Gloria Perez, autora de 'Salve Jorge'. Um arsenal pesado de armamentos disparados, principalmente, nas redes sociais.

Mesma praça de guerra utilizada por Gloria para, defender, claro, sua obra. Índices de audiência à parte, o que costumeiramente chama atenção nos argumentos de Gloria, respaldados por vários de seus seguidores no Twitter, é a total repreensão de seu 'detratores', como se estes não conseguissem alcançar os arroubos criativos da novelista em sua trama. Outra base de argumentação é o fato de que a novela é uma obra de ficção. Como se tal característica isentasse o produto comentado de qualquer verossimilhança.

Uma estratégia de contra-ataque que levanta o debate sobre o limite ético das redes diante da relação entre críticos e criticados. Pois a tentativa de diminuir o papel daqueles que aí estão para analisar o conteúdo apresentado na televisão (no cinema, teatro e afins) não parece ser a maneira mais adequada de reagir, sob o prisma ético deste debate.

O mesmo incidente já havia ocorrido anteriormente, quando Aguinaldo Silva reagiu de forma feroz aos críticos de 'Fina estampa', também em seu Twitter. E o que dizer do diretor Mariozinho Meirelles, que, indignado com os baixos índices de audiência do 'TV Xuxa', xingou de 'retardados' os telespectadores do desenho 'Pica-Pau', da Record, que vinha incomodando a Globo no Ibope à época (novembro de 2012)?

As redes sociais têm a capacidade incontrolável de maximizar a dimensão das discussões. Logo, uma pessoa naturalmente exposta a críticas (e elogios também, claro) deve ter certos cuidados ao inserir ali, naquele espaço, certos comentários. Assim como índices de audiência são importantes quando agradam, por que não seriam também quando revelam uma verdade inconveniente? E, quanto aos críticos: nós, chatos que somos, existiremos enquanto nossa voz for solicitada e apreciada. Mesmo quando nossas asas não permitirem que acompanhemos os rasantes criativos dos criticados. Com todo o respeito.

Por Pedro Willmersdorf

[email protected]